quarta-feira, 27 de março de 2013

O dízimo





Por Mary Zaidan (*)

Guia de Dilma Rousseff na cerimônia de entronização e no encontro privado com o Papa Francisco, em uma viagem que ficará marcada pelo contraste entre a gastança da comitiva brasileira e a pregação pelos pobres feita pelo Pontífice, o ministro Gilberto Carvalho não se apoquenta. Nem quando quebra ou deixa quebrar, diante de seu nariz, símbolos de sua fé.

Católico (foi ligado à Pastoral Operária), Carvalho é também porta-voz e apara-arestas do governo e das campanhas majoritárias petistas junto aos evangélicos. Na última sexta-feira, representava a presidente na Convenção Nacional das Assembleias de Deus, realizada em São Paulo.

Ali, ouviu impassível seu colega de governo Marcelo Crivella (PRB), ministro da Pesca, conclamar mais de três mil pastores a aplaudir o governo porque as políticas voltadas aos pobres permitiram aumentar a arrecadação de suas igrejas. "A nossa presidenta e o presidente Lula fizeram a gente crescer porque apoiaram os pobres. E o que nos sustenta são dízimos e ofertas de pessoas simples e humildes.”

Parece brincadeira, mas não é.

Da saia-justa que lhe impôs Crivella, Carvalho escapou sem dar um pio. O mesmo não pode fazer com os custos exorbitantes da estadia em Roma – quatro dias para pouco mais de cinco horas de agenda oficial, gastos de R$ 324 mil só em hospedagem, sem contar os 21 veículos locados, refeições e diárias adicionais. Sem conseguir explicar o inexplicável, considerou o tema como “falta de assunto” e ponto.

Ambos os casos ilustram de maneira cristalina como o governo vê e lida com os mais pobres. Os mesmos pobres que inflam a popularidade recorde da presidente.

Em Roma, para ver o Papa apologista da simplicidade, considerou-se normal, ou pior, de praxe, que a presidente e seus ministros – aliás, o que mesmo o ministro da Educação Aloisio Mercadante foi fazer lá? - se hospedassem em um dos hotéis mais luxuosos da Europa, pagos pelos impostos dos brasileiros.

Entre os 132 chefes de estado presentes à cerimônia de entronização, só o vice-presidente dos EUA e o presidente de Taiwan ficaram no mesmo hotel de Dilma.

Mas, se como diz Carvalho isso é falta de assunto, vamos ao dízimo.

"Com a presidenta Dilma, os juros baixaram. Quem paga juros é pobre. Com menos juros, mais dízimo e mais oferta", explicou o ministro da Pesca, diante do secretário-geral da Presidência. Não recebeu qualquer reprimenda. Talvez porque aqui a semelhança não seja mera coincidência.

A lógica cartesiana que o evangélico Crivella expôs é a mesma que orienta os passos da campanha pela reeleição da presidente: o dízimo é o voto.

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(*) Publicado no Blog do Noblat em 24.03.2013. Para quem está sem tempo, arrumando os matulões para subir a serra, com a ilusão que lá está mais fresco do que aqui, durante a Semana Santa, o texto da Mary acima vem a calhar. Ela fala de dízimo, e isto tem tudo a ver com a religião, como a própria Semana Santa.

O dízimo é um velho companheiro das religiões, desde Abraão e já dele se fala no Antigo Testamento. Ele sempre foi uma espécie de imposto cuja alíquota, 10%, incidia sobre várias coisas, em bens ou dinheiro. Eu, como católica já paguei dízimo, embora nunca soube que fosse obrigatório em nossa Igreja. Nunca procurei saber. Só sei que o Papa Bento XVI retirou este nome dos Mandamentos da Igreja, o que foi muito melhor. Hoje se contribui de acordo com as possibilidades e o percentual é variável. O nome dízimo traz modernamente, tristes lembranças. E não sou contra a que se coopere com as Igrejas. Qualquer uma.

No entanto, alguns Igrejas, pelo que se tem visto, avacalharam com a ideia, quase obrigando os fiéis usarem o seu dinheiro para enricar pastores em nome de Deus. O que achei espantoso no bispo Crivella (não sei se ele é bispo ou já passou a Papa, ao se tornar o Ministro da Pesca querendo virar São Pedro), citado pela Mary, foi sua sinceridade ao confessar um apostasia. A desfaçatez não tem limites. Eu acho que pobres sempre existirão na face da terra, mas, querer que eles aumentem para aumentar o dízimo é demais. E isto é o que ele está querendo dizer, pois, ao invés de comprar mais coisas com a diminuição dos juros, ele deve dar mais à Igreja, e consequente enriquecimento dos pastores. Então quanto mais pobres melhor, pois eles é que pagam juros, segundo o bispo.

Esta é uma das declarações que nos fazem querer distância de determinadas correntes religiosas, que de Religião só tem as penas. É em cima da cobrança do dízimo que o Pastor Feliciano, em vídeo recente, clamava para que um fiel deixasse a senha do seu cartão de crédito para que Deus atuasse em seu benefício. Não discrimino entre religiões mesmo sendo católica e achar minha Igreja a verdadeira Igreja, mas, chamar a estas seitas produtoras de novos ricos de religião, é forçar demais a barra.

Que Deus tenha pena das almas destes hereges neste belo período de Semana Santa tão importante para nós cristãos. Pelo menos para os verdadeiros. (LP)

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