quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A magistratura e a nossa história. Do Brasil a Bom Conselho


Matriz de Bom Conselho


Eu, de vez em quando estou usando os textos do jornalista Ricardo Kotscho para ilustrar minhas postagens. Para quem me acompanha nesta briga blogueira não é novidade que há uma história de amor e ódio entre nós. Nos amamos quando o Kotscho escreve sobre qualquer assunto, que não se refira ao Lula. Quando ele escreve sobre o primeiro operário presidente, e o primeiro operário a se tratar no Sírio Libanês, longe do SUS, então nos odiamos. No texto abaixo, a relação é de amor, quando ele fala de um dos nossos poderes da república, o Judiciário.

Como vocês verão, nossa magistratura anda pisando na bola, e cada vez mais, tem pequena possibilidade de participar da Copa do Mundo em 2014, pelo menos com um time razoável. Isto o Kotscho, diz como ninguém, em seu artigo completo que pode ser lido aqui. Leiam estes pequenos trechos e eu voltarei depois, para falar de outros feitos da magistratura lá em Bom Conselho.

O Judiciário brasileiro vive um péssimo momento, e não é de hoje. A novidade é que agora os seus malfeitos, práticas pouco republicanas, corporativismo e defesa de privilégios estão sendo revelados à sociedade, da mesma forma como ocorre com os demais poderes e instituições.  Os meritíssimos precisam entender que não estão acima do bem e do mal.

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Aos poucos vamos conhecendo outras mazelas do Judiciário em espaços antes reservados a ministros e parlamentares. Na mesma edição do jornal, o competente colega Frederico Vasconcelos informa que "Peluzo protege identidade de juízes sob investigação".  Atendendo a pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros, o presidente do STF, Cézar Peluso, mandou tirar do site do Conselho Nacional de Justiça as iniciais dos juízes que respondem a processos disciplinares em tribunais estaduais.

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O que impressiona é o número de magistrados investigados. Na semana passada, havia 1.353 processos em tribunais estaduais. A corregedoria nacional, presidida pela ministra Eliana Calmon, a primeira levantar os véus que protegiam o Judiciário, tem em seu cadastro 2.300 processos envolvendo magistrados.

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Meus parabéns à ministra Eliana Calmon pela coragem de revelar o que outros querem esconder. A sociedade brasileira agradece.”

Pronto. Meus parabéns também à ministra Eliana Calmon, no presente, mas, voltemos ao nosso passado, lá em Bom Conselho, lá pela década de 1920. Antes que vocês pensem que estou ficando maluca, eu devo explicar qual o motivo de um salto tão grande no tempo.

Dias atrás recebi um e-mail do Zé Carlos onde ele, além de me enviar um link para uma publicação, tentava explicar que o livro era do Luis Clério, e ele havia ficado com ele por engano, ou algo parecido, e que não vem muito ao caso. O que vem ao caso é o livro que ontem comecei a ler.

O título do livro é: “Os acontecimentos de Bom Conselho em 1926” e o autor é Manoel Cândido. Apesar do autor, já na capa, colocar sua posição pessoal de “Ex-advogado da Prefeitura”, eu fui ler o livro, pensando que, mesmo um ex-advogado poderia ser imparcial no que escreve, do ponto de vista histórico. Embora penso que  é muito difícil, principalmente, porque o livro foi publicado em 1927,  com os acontecimentos que narra ainda quentes.

Seria, mais ou menos como o Saulo Bezerra, já na condição de ex-advogado da prefeitura de Mamãe Juju, escrever um livro sobre seu governo, no ano de 2013, quando, como já é dado como certo, ela não estará mais lá. Mas, nada é impossível, e minha cultura histórica da terra de Papacaça está circunscrita à minha vivência e ao livro da Celina Ferro. E agora mais este.

A narrativa começa  e se passa no ano de 1926, e em seu primeiro capítulo o Manoel Cândido, já se esparrama em elogios ao José Abílio, prefeito da cidade. A aventura política contada por ele começa pelo desentendimento entre o governador do Estado, José Bezerra e o prefeito, em assuntos relacionados com a candidatura do Marechal Dantas Barreto a deputado. O que mais me impressiona nos livros de história ou em livros que são documentos históricos é aquela sensação de sempre encontrar nomes de ruas, de academias ou de casas, como aquela em que eu quero trabalhar um dia em Bom Conselho: A Casa de Dantas Barreto. O tom do livro é mais ou menos, seguinte:

De um lado, o espirito de independência de caracter
do político sertanejo e do outro o governador, o condu-
tor de homens, arguto, intelligente, medianeiro, de tal
modo se houveram que, ao espirito do governador, o chefe
sertanejo deixou uma forte impressão de homem decidi-
do e político leal.”

O resumo da ópera política sertaneja, ou hoje agrestina, é como segue. Depois da sucessão de 1922, o José Abílio, segundo o autor, passou a ter destaque, e obedecia a orientação de Manoel Borba. Eis que senão quando, através do deputado Souto Filho, recebia um recado do Sérgio Loreto, pedindo para que o prefeito de Bom Conselho aceitasse um candidato a governador saído das confabulações do palácio do governo.

Começa a escaramuça quando o José Abílio escreve uma carta para Manoel Borba, de quem era fiel seguidor político, que diz o seguinte:

"Amº." Senador Borba

Recife.

A convite do D r. Souto Filho, tive com o mesmo
um entendimento, o qual teve por fim aceitar eu a
candidatura a governador d'aquelle que o actual governador
indicar.
Pedi praso para responder e amigo leal e decidido
de V. Ex., venho lhe pedir que dite ao seu amigo a
conducta que devo tomar. Quero saber corresponder
á confiança do meu partido na boa e na má fortuna.

Amº.  Certo

José Abílio."

Recebendo uma resposta do Manoel Borba, o José Abílio, imediatamente, o que naquela época, com os meios de comunicação existentes, deveria ser depois de um mês, mandou ao deputado Souto Filho a seguinte mensagem:

"Deputado Souto Filho

Recife.

"Em face da successão governamental, como homem
livre e consciente, não conheço incondiccionalismo.
Não tomo compromisso algum sobre as candidaturas
á successão do governo, porque quero usar o meu
dire to de apoiar o que julgar mais capaz de fazer o
progresso, a felicidade do Estado.
Estou certo de que Pernambuco inteiro saberá
usar do seu civismo e do seu espirito de liberdade
para escolher livremente quem seja digno de gover-
nal-o.
Entendem, assim, também os amigos e correligionários
que me honram com a sua confiança".

Aí começou a quizumba, onde entra a magistratura na pessoa do juiz Dr. Baptista de Almeida, que foi enviado, junto com o tenente José Miranda e numerosa força “para Bom Conselho a tomar contas e castigar o chefe rebellado.”

Esta expedição chegou a Bom Conselho no dia 1º de abril de 1926, uma quinta-feira santa. Segundo o autor,  pela madrugada, a cidade foi despertada com toques de clarins, causando verdadeira revolta na população a falta de respeito ao grande dia da semana santa. Mais até do que revolta atualmente, as bandas milongueiras e barulhentas financiadas pelo poder público, e que tiram o sono de muita gente.

No dia seguinte, as entradas da cidade foram tomadas pelas tropas, que ficaram prontas para a ação. Para vocês verem, Bom Conselho já foi mais emocionante em termos de lutas e escaramuças, às claras e sem emboscadas. O autor, nos oferece uma descrição das terras de Papacaça que vale a pena transcrever, em seu português, ainda não reformado:

Bom Conselho está edificada na confluência dos
riachos  Lava-pés com o rio Papacacinha, affluente
do Parahyba, que corre a despejar no São Francisco, em
Alagoas.
Tem trez bairros distinctos, ligados por pontilhões,
o que torna a cidade de agradável aspecto, sendo uma
das mais importantes do sertão.
Edificada  a igual distancia de Garanhuns e Que-
Brangulolo, pontos terminaes de estrada de ferro, collocada
entre a zona da matta, cultivando café, canna, mandioca,
milho, feijão e outros cereaes e variadas fructas,
e zona sertaneja, gosa de optimo clima e tem admiráveis
poentes devidos á approximacão das serras do Bulandy,
 São Pedro, Prata e Atravessada.

Diz ainda que a cidade tinha feiras concorridas e um comércio regular, sendo estas atividades totalmente afetadas pela chegada da expedição e a população, amedrontada, fugia, e os que ficavam eram castigados quando eram do lado do José Abílio. Este pedia calma à população e fez publicar um boletim no O Clarão, um jornal da época, e que era dirigido pelos Drs. Severino Leite, Baptista de Almeida e pelo Vigário Alfredo Dâmaso. O autor ainda relata que a impressão foi feita na “machina impressora” pertencente ao Sr. Otávio Miranda, amigo de Zé Abílio, e o boletim foi distribuído na cidade, município e a todas as autoridades do Governo, e quando isto foi feito o Sr. Otávio Miranda sofreu ameaças no sentido de parar com estas publicações.

Eu reproduzo a nota do José Abílio, da forma como se encontra no livro, e que mostra que, se verdadeira, a nossa magistratura desde aquela época, já fazia das suas:

"Ao povo de Bom Conselho !

Bom Conselho foi surprehendida
com a presença de numerosa força, quando ia em completa
paz.
Era preciso buscar uma determinante para tal razão
do Estado.
E sentiu-se a necessidade de garantir os magistrados
que aqui exercem e sempre exerceram a sua profissão
livremente.
Estava tudo combinado e a attitude que assumi, recusando-
me a acceitar o candidato a Governador, de fonte
oficial, sendo o verdadeiro motivo da remessa da
força, é encoberta pela falada necessidade de taes
garantias.
Os Srs. Juizes agiram sempre livremente nos bons
e máos actos.
Entretanto, quando numerosa força estaciona em
Minha terra para garantir os magistrados e lhes fica á
ordem, e que cidadãos honrados e rezidentes neste Muni-
cipio, onde são proprietários, são arrastados alta hora
da noite á cadeia, por se manifestarem solidários ao partido
a que me honro de pertencer.
Garantida a magistratura, quando pobres homens do
povo são esbofeteados em plena feira e levados aos pontapés
para a cadeia !...
Garantida a magistratura, quando juizes, delegado
e tropa, obrigam eleitores a assignar listas de solidariedade,
affirmando nada significarem as mesmas !.
No incidente de hontem em que me vi frente á frente
com o Snr. Dr. Juiz de Direito, que se fazia acompanhar
de soldados, felizmente o Snr. Tenente Delegado
interveio pacificamente.
Aos responsáveis por taes desmandos venho declarar,
de publico, que, na, defesa dos meus amigos e do
povo bom de minha terra, me encontrarão a todo momento
prudentemente sciente e consciente dos direitos
e deveres que me vêem do cargo que occupo e da confiança
do eleitorado livre que me constituiu seu representante
junto ao grande partido político a que me honro
de pertencer.

Bom Conselho, 10 de Abril de 1926.
José Abílio Albuquerque Ávila -- Prefeito".

Conta ainda o autor que, neste ínterim, o vigário, os juízes, o promotor, o delegado, ou seja toda a magistratura, se empenhavam no trabalho de arranjar assinaturas para um manifesto de adesão ao Governador, e a eles se juntavam o Tenente Miranda e o Sr. Josino Villella, citando documento passado em cartório do Sr., primeiro tabelião público, Lysimacho Florisbello Villa-Nova".

Antes de continuar, apesar de toda importância que pode ter o documento, minha cultura histórica foi abatida pela citação do Seu Lísimaco, a quem conheci na janela de sua casa lá na praça do coreto. Mas, não vão pensar que já era viva em 1926, o Seu Lísimaco é que já era bastante velho quando o conheci.

Voltando à historia, pelo que o autor conta, a coisa era feia mesma. A turma era levada ao fórum da época e obrigada a assinar o documento com soldado de lados e que diziam: “é bom assignar logo, é ordes do governador”.

Mas, não ficou só nisto a reação do governador ao prefeito de Bom Conselho, como narra o Manoel Candido:

Não bastavam cem soldados para fazer curvar Bom
Conselho aos pés do governador.
A primeira expedição foi mandada para garantir
A magistratura.
Era preciso descobrir um segundo pretexto para a
remessa da segunda expedição, que, se foi inferior em
numero, foi em compensação mais aguerrida e aterradora
nos instrumentos de guerra e no copioso carregamento
de munição que conduziu.

Eu poderia intitular este artigo de “E a magistratura continua...”, mas, não o farei. São dois tempos e duas medidas, o que transcrevemos do Kotscho e do Manoel Candido. Ambos tem tudo para não serem imparciais, pois um é o jornalista do Lula e o outro foi o advogado do coronel Zé Abílio. Eu paro por aqui, mas tem mais a comentar do livro que me enviaram, e o farei oportunamente se agradar à tropa lá de Bom Conselho. Espero que agrade e os historiadores de nossa terra que nos ajudem a descobrir quem foi o José Abílio. Pelo jeito, o meu pai, pelo que ele me contava, deveria ser do lado do Josino Villella e do Padre Alfredo, embora não tenha participado dos acontecimentos. Pelo livro o coronel foi o nosso grande herói e os outros os vilões. Com a palavra nossos historiadores.Tudo isto servirá um pouco para esclarecer sobre a vida dos que estão hoje na Galeria dos Prefeitos.

Antes de partir devo dizer que continuarei a aventura quando tiver um tempo livre. Apesar da história ser interessante e bem documentada pelo Manoel Candido, minha capacidade com historiadora resume-se em vibrar com o que fizeram os hoje nomes de rua quando eram vivos. Não sei como avaliar bem a legitimidade das fontes. Isto é coisa para profissional da história. Mas, se eles não escrevem sobre, eu escrevo. Mesmo que a visão de meu pai, no fim prevaleça, pois não sou historiadora.

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