quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A Bíblia e a homossexualidade - Viva a Papacagay!




(continuação)

Mesmo já tendo passado o dia 16, e mesmo tendo sabido que não houve o desfile da Papacagay, eu pude sentir tanto pelo número de leitores como pelas mensagens e comentários recebidos que devemos continuar nossa publicação sem entrar ainda no mérito do porquê ela não houve, tentando colocar o que há na Bíblia sobre homossexualidade.

O estudo científico da sexualidade teve início a cerca de um século. Hoje sabemos que a homossexualidade é um dos aspectos básicos da personalidade, provavelmente fixado na primeira infância, tem base biológica e afeta uma parcela significativa da população em praticamente todas as culturas conhecidas.

Não há evidências convincentes de que a orientação sexual possa ser mudada, e não há prova sequer de que a homossexualidade seja um fenômeno patológico em qualquer das suas formas. Desde a Segunda Guerra Mundial, uma comunidade gay vem se formando e ganhando voz em âmbito mundial.

Dentro desta comunidade, e especialmente entre os gays e lésbicas que são religiosos, relacionamentos homossexuais amorosos e adultos têm se tornado uma preocupação importante.

Tudo isso é recente. Alguns destes fatos são absolutamente novos para a história da humanidade. Eles fazem parte de uma situação nunca imaginada pelos autores bíblicos, portanto não devemos esperar que a Bíblia expresse uma opinião sobre eles. O que pode ser esperado é o seguinte: quando a Bíblia menciona comportamentos sexuais entre pessoas do mesmo sexo, ela o faz tal como estes comportamentos eram compreendidos naquela época. Os ensinamentos da Bíblia só podem ser aplicados hoje na medida em que a antiga compreensão destes mesmos comportamentos for válida.

Mais especificamente, na época bíblica não havia uma compreensão muito elaborada da homossexualidade como orientação sexual. Havia apenas uma consciência genérica de atos ou contatos entre pessoas do mesmo sexo, o que poderia ser chamado de homogenitalidade ou atos homogenitais.

A questão atualmente gira em torno das pessoas e seus relacionamentos, e não simplesmente de seus atos sexuais. O que se discute hoje é a homossexualidade, e não mais a mera homogenitalidade, e o afeto espontâneo por pessoas do mesmo sexo e a possibilidade ética de expressar este afeto em relacionamentos sexuais e amorosos. Como esta não era uma questão que os autores bíblicos tinham em mente, não podemos esperar que a Bíblia nos dê uma resposta.

Por que não? Se a Bíblia condena um determinado ato por qualquer que seja o motivo, este ano não deveria ser evitado sem mais discussões? Se a palavra de Deus diz que ele é errado, o assunto não se encerra aí?

Uma atitude é julgada errada por algum motivo. Se o motivo não mais existe e nenhum outro é fornecido, como esta atitude pode continuar sendo considerada errada? A simples afirmação de que “Deus disse que isto é errado” não é uma resposta boa o suficiente, pois o princípio é válido mesmo em se tratando de Deus: também Deus deve fornecer o motivo pelo qual algo é errado.

Se não houver esta atitude ficamos citando frases como a do Blog do Poeta citada na primeira postagem desta série dizendo que o principal homófobo seria o próprio Deus. Devemos sempre pensar que o que foi escrito tem sua interpretação, ao ponto de hoje quase termos mais religiões cristãs, do que cristãos. A atitude que cito é daquela que via no O Andarilho, que sei não compraria o livro do Alexandre Tenório, que é o “católico ovelha”, que vive berrando frases dos nossos códigos feitos em Concílios da Idade Média, para orientação dos católicos modernos, como eu.

Isto significa dizer que há bom-senso, que há sabedoria na moralidade exigida por Deus. Se não houver, então toda moralidade será arbitrária e Deus considerará as coisas como certas ou erradas segundo um capricho divino. Neste caso, toda a reflexão sobre a ética deixaria de existir, pois não haveria um princípio racional por trás da moralidade e as exigências de Deus não seriam razoáveis. Tal conclusão, porém, é um absurdo. É completamente ridícula. Logo, é preciso que haja um motivo pelo qual algo seja considerado errado, e deve ser por este mesmo motivo que Deus o proíba.

Por exemplo, roubar o dinheiro público é errado do ponto de vista cristão e divino porque vai contra os princípios de amar o próximo, que sucumbirá como o roubo nas filas do SUS, enquanto os ladrões  vão para hospitais de luxo. O que dizer de alguém que rouba um pão para matar sua fome? É errado também, mas temos que ter nossos limites de interpretação do porque ambos estão errados para não cometermos injustiças. Não sei se Deus me perdoa, mas, penso assim.

Alguns dirão, mas Deus não poderia ter razões que escapem à nossa compreensão? Claro que sim. Mas se fosse este o caso, nunca poderíamos conhecer a vontade de Deus – a menos que Deus a revelasse. E onde Deus a revelaria? Uma resposta óbvia é: “Na Bíblia, claro!”
Esta resposta é perfeitamente válida. Mas ela nos traz de volta exatamente ao ponto de partida: como podemos determinar o que Deus quis dizer na Bíblia? As opções ainda são as mesmas: as abordagens literal e histórico-crítica.

Defendo a abordagem histórico-crítica da Bíblia. Espera-se que Deus afirme que algo é errado por um determinado motivo. O Criador teceu este motivo na estrutura do universo. A inteligência humana é capaz de discernir este motivo. Por conseguinte, quando não há nenhuma nova razão para que algo seja considerado errado e o motivo antigo não mais se aplica, não há base para se afirmar que aquilo seja errado. O motivo – o próprio motivo de Deus! – simplesmente não mais existe.

Hoje, no caso da homossexualidade, ainda existem comportamentos que deveriam serem condenados em qualquer interpretação. A promiscuidade sexual é condenada pela Bíblia tanto para os homos quanto para o heterossexuais. A exploração do sexo pelos vendilhões do templo são passíveis de punição sempre, e cito como exemplo o famigerado e pobre programa do Big Brother na rede Globo, que também vem errando a mão nas novelas, como com esta Fina Estampa, mas isto é outro assunto.

A palavra de Deus na Bíblia condena aquilo que hoje conhecemos por homossexualidade? Considere todas as passagens bíblicas que se referem a este tema. Compreenda-as em seu contexto histórico original. Avalie as provas com uma mentalidade aberta e honesta. E veja se você teria qualquer razão em discriminar um gay ou um lésbica.

Alguns dos meus amigos homossexuais não se metem nesta paradas, como a Papacagay porque acham que a sexualidade é uma questão de foro íntimo, e eu até admito a hipótese. O que não pode ser feito e querer impor sua opinião para aqueles que querem mostrar como são e sem se envergonhares de sua orientação sexual. Da mesma forma como eu sou contra uma lei que criminalize ações homofóbicas (pois acha estas leis inúteis e muitas vezes até nocivas), e as condeno pessoalmente e incentivo as pessoas a condenarem, e não há melhor forma de fazê-lo do que ir à paradas gays, com sempre vou, quando posso, mesmo sendo bainha.

Neste fim de texto homenageador de nossa Papacagay, não poderíamos deixar de me referir à  história de Sodoma, que é provavelmente a mais famosa passagem bíblica que trata da homossexualidade, ou pelo menos é considerada como tal. Ela está no livro do Gênesis, capítulo 19, versículos de 1 a 11.

Nela, por que Lot desejaria expor suas filhas ao estupro? Por que Lot se oporia ao interrogatório e abuso de seus visitantes por parte dos habitantes da cidade? Lot era apenas um homem, ou, conforme as Escrituras, um homem de bem. Ele fez o que era certo e da melhor forma possível. Entre todas as pessoas de Sodoma, apenas ele teve a delicadeza de convidar os visitantes para passar a noite em sua casa.

Nas regiões desérticas como a de Sodoma, permanecer ao relento exposto ao frio da noite podia ser fatal. Logo, uma regra básica da sociedade de Lot era oferecer hospitalidade aos viajantes. Essa mesma regra faz parte da tradição das culturas semitas e árabes. Esta regra é tão estrita que proibia o ataque até mesmo a inimigos que tivessem recebido oferta de abrigo para passar a noite. Assim, fazendo o que era certo, seguindo as leis de Deus conforme ele a entendia, Lot recusou-se a expor seus convidados ao abuso pelo homens de Sodoma. Fazê-lo significaria violar a lei da sagrada hospitalidade.

Até mesmo Jesus entendia o pecado de Sodoma como o da falta de hospitalidade (Mateus 10:5-15). Outras passagens da Bíblia afirmam a mesma coisa de maneira bastante clara. Há outras referências bíblicas menos diretas a Sodoma: Isaías 1:10-17 e 3:9, Jeremias 23:14 e Sofonias 2:8-11. Os pecados listados nestas citações são a injustiça, a opressão, a parcialidade, o adultério, as mentiras e o encorajamento dos pecadores. Ainda assim, as pessoas continuam a citar a história de Sodoma para condenar aqueles que são gays e lésbicas.

Há uma triste ironia acerca da história de Sodoma quando compreendida à luz de seu próprio contexto histórico. As pessoas atacam homens e mulheres homossexuais porque eles são diferentes, esquisitos, estranhos. Lésbicas e gays não se encaixam em nossa sociedade, fazendo-se com que eles permaneçam estranhos, estrangeiros. São deserdados por suas próprias famílias, separados de seus filhos, despedidos de seus empregos, despejados de imóveis e expulsos de bairros, insultados por personalidades públicas, espancados e assassinados nas ruas. Tudo isto é feito em nome da religião e da suposta moralidade judaico-cristã.

Esta opressão é o próprio pecado do qual o povo de Sodoma foi culpado. É exatamente este o comportamento que a Bíblia condena repetidas vezes. Portanto, aqueles que oprimem os homossexuais devido ao suposto “pecado de Sodoma” podem ser eles próprios os verdadeiros “sodomitas” tal como a Bíblia os entende.

E aqui eu termino minha homenagem à Papacagay e seu membros declarados ou enrustidos com o auxílio precioso do Daniel Helminiak, que deveria ser lido por alguns de nossa Igreja, e que ainda é a igreja dele, mas, principalmente por alguns pastores evangélicos que andam tentando curar homossexuais e mesmo vendendo elixir para os seus demônios

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