segunda-feira, 13 de agosto de 2012

As meias pretas de Dona Sinhazinha



Dona Sinhazinha e Coronel Jesuíno


Semana passada eu vi o capítulo de Gabriela no qual o Coronel Jesuíno matou a mulher porque ela o estava corneando. Desde que li o romance (e o reli recentemente pela influência da novela, como prova de que este gênero artístico vem da literatura e o faz voltar a ela) fiquei com uma cena sem rosto na cabeça, até que a Rede Globo me colocou gente nos personagens, tão bem criados pelo Jorge Amado.

Quando li o romance a primeira vez, sem os rostos, a cena não fica tão forte quanto aquela que a novela nos permite sentir, pela atuação de grandes atores. No entanto, o fato social em si ficou em minha cabeça, porque no fundo, no fundo, todas nós mulheres de certa época, temos um pouco de Dona Sinhazinha, em teoria, ou mesmo por não ter encontrado um bom dentista; assim como temos um pouco de Dona Flor, outro romance do escritor baiano que também li na onda da novela.

Não irei resumir a novela para as do nosso gênero, pois não temos preconceitos contra sermos fãs delas. O farei em honra dos homens, preconceituosos empedernidos ao dizer que novela é coisa de mulher, mas, odeiam a Carminha porque se sentem como o Tufão. Entre estes, assim de pensar rápido, não incluo o meu marido, o Roberto Almeida e o Roberto Lira, que são noveleiros de primeira hora.

A Ilhéus de 1925 onde se passa a história de Gabriela é muito parecida com a Bom Conselho das décadas de 50/60, quando lá vivi. Meu pai não era um coronel, em riqueza, mas, socialmente adoraria ser o Coronel Melck, pois me tratava como este tratava a Malvina.  E conheci, de longe, alguém parecido com o Coronel Ramiro Bastos, talvez até com mais força, e que hoje muitos querem se sentar em sua cadeira na prefeitura. Porém, deixa nossa cidade para lá, por uns momentos.

O Coronel Jesuíno é casado com Dona Sinhazinha, mulher religiosa e virtuosa por demais, até encontrar um dentista que vai além de suas cáries, quando trai o Coronel. A trama da novela é muito mais popular do que a trama do romance, pois envolve mais gente na descoberta do adultério. São gêneros diferentes mas que dão à historia o que o leitor e telespectador merecem, que é a reação de uma cidade em torno de um crime.

O Coronel, ao pegar o dentista nas vias de fato com a esposa, a mata impiedosamente. Nem o romance nem a novela nos deixam claro se ele haveria cometido o delito se ela não estivesse nua e usando meias pretas, o que escandalizou a cidade, todavia, levando a que o estoque de meias pretas dos armarinhos  fossem esgotados para uso das esposas não muito castas, e pelas mulheres do prostíbulo da cidade, uma exigência dos coronéis. Eu penso que esta é a grande dúvida que sobra do ponto de vista penal e criminal. Porque, quantos aos outros aspectos do crime, a sociedade não levou um átimo de segundo em dar razão ao coronel premido pela tradição de que “traição é um crime contra a honra e honra se lava com sangue.”

Não me lembro mais da cena do romance mas, pela novela, é face concluir pela quase unanimidade na cidade, de que o Coronel Jesuíno era um herói por ter lavado sua honra com sangue matando sua mulher. Os cumprimentos são gerais e generosos, e se ele quisesse entrar para a política, a prática deste crime seria motivo de obtenção de muitos votos. Não esqueço do delegado escorraçado da casa do Coronel Ramiro Bastos por ter a petulância de tentar abrir um inquérito policial para, pelo menos, ter o que dizer ao juiz.

No entanto, a cena que mais me emocionou foi o velório de Dona Sinhazinha, no qual compareceram 4 gatos pingadas e do sexo masculino, com uma única exceção, a Malvina filha do Coronel Melck e de Dona Marialva. E minha emoção, se eu passasse do genérico para o específico se chamaria “inveja” por não ter sido sempre uma Malvina, embora hoje não seja uma Marialva, mas, cheguei perto.

Quantas Malvinas eu conheci em minha época de Bom Conselho e agia como todas da minha época, mesmo, já com um certo espírito crítico. Só depois que vim estudar e morar em Recife é que descobri porque meu pai não queria de jeito nenhum que eu viesse, sendo seu intento me casar com qualquer Berto (este é um cachorro, bandido, sem vergonha...)  que aparecesse. Ainda bem que o destino me sorriu, e eu hoje posso estar escrevendo aqui.

Para minha vida de hoje, com a família criada e já lidando com os meus filhos que nem sabem e até não entendem o que se passa num ambiente como o de Gabriela, Cravao e Canela (hoje quase todas as mulheres são Malvinas), eu passo à política e vejo a cena em que se lê no “Correio de Ilhéus” a notícia do assassinato de Dona Sinhazinha e a reação do assassino, Coronel Jesuíno, com a concordância de toda a cidade, ao dizer:

- Eu vou matar este jornalista de merda!

Bom Conselho hoje não é mais a mesma do meu tempo, como também, a honra não se lava mais com sangue (é difícil imaginar o Tufão matando a Carminha, a não ser a chifradas), no entanto, nestes tempos bicudos de eleição, mesmo não sendo o meu blog  “A GAZETA” eu não sei se há alguém dizendo por lá:

- Eu vou matar esta jornalista de merda!

Mesmo que meu blog não seja financiado pelo Mundinho Falcão, eu continuarei noticiando o que for importante para o povo de nossa cidade, até mesmo, sobre as meias azuis, digo, pretas, de Dona Sinhazinha, mesmo que minha pressão não esteja em 12 x 8.

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