Por Diretor Presidente
(*)
Quase exatamente há 120
anos a República era proclamada no Brasil. Existia um Império e um Imperador,
D. Pedro II, muitas vezes tido como o único estadista deste país, pois estava
disposto a vender até as jóias da coroa para resolver os problemas do país. O
que faria D. Pedro se fosse eleito Presidente da República? Continuaria um
estadista? Pelas várias definições do termo, ao estadista sempre se associa a
imagem de alguém que é versado nos princípios ou na arte de governar,
ativamente envolvido em conduzir os negócios de um governo e em moldar a sua
política, e que a exerce com liderança, sabedoria e sem limitações partidárias.
Dizem, de uma forma um pouco cruel e, às vezes, justa, que o "estadista se preocupa com a próxima geração
e o político com a própria eleição".
É muito difícil responder
à pergunta. Mas, é fácil descobrir que não é fácil descobrir estadistas atualmente.
Não sei se felizmente ou infelizmente, tivemos uma chance em 1993, e escolhemos
a República com forma de governo e o Presidencialismo como o nosso sistema de
governar. Ou seja, escolhemos não ter uma Monarquia e sim uma República.
Conseguimos?
Mesmos com as
dificuldades, pela sua imensa variedade, de dizer o que é uma Monarquia,
pode-se dizer que sua principal característica é o império da vontade de uma
pessoa sobre o destino das outras. A República, ao contrário pode-se ver como
uma forma de governo que prioriza o povo e cujos governantes, de uma forma ou
de outra, devem levá-lo sempre em conta. Até etimologicamente, pode-se dizer
que existe “uma coisa pública”.
Enquanto que, na Monarquia, as coisas são todas do monarca, na República elas
são do povo, que é uma entidade tão difícil de lidar que podemos dizer que elas
não são de ninguém. No meio termo, existe algo que é chamado de “patrimonialismo”, que se refere a uma
situação onde não há uma visão clara de “a
quem pertencem as coisas". Quem é o dono do que existe, se produz, se
vende ou se compra, num país? O Direito de Propriedade é uma prática nebulosa e
cabulosa dentro dele.
No Brasil, o
patrimonialismo veio com Cabral, estava na carta de Pero Vaz de Caminha, passou
pelo martírio do Bispo Sardinha (os índios pensavam que ele era merenda
escolar), continuou com as capitanias hereditárias, pelos barões, no Império, e
continuou com a República, com os senhores de terras, coronéis e continua com o
clientelismo, nepotismo, empreguismo e outros “ismos”. A falta de definição clara de quem tem direito ao que,
ainda é uma das maiores mazelas de nosso sistema político, apesar de todos os
avanços legais e institucionais dos últimos tempos. Isto passa pela questão
fundamental do que seja público e do que seja privado em nosso país. E não
peçam para o povo ler a Constituição e as Leis, eles, em sua maioria, são
analfabetos, iguais aos índios que comeram o bispo.
Quando vou a Bom
Conselho, cada viagem rende-me dezenas de letras. E quando vou lá e visito Seu
Salviano, o meu cérebro se preenche de luz. Seu Salviano está velho, como ele
gosta de dizer, não é velho apenas está velho. Ainda espera reencarnar e voltar
a ter um corpo jovem outra vez. A alma não envelhece. Atualmente ele mora no
bairro de São Rafael. Eu o conheço ainda dos arredores da Rua da Cadeia. É um
sábio com humor, o que para mim é apenas uma redundância. Não há sábios mal
humorados. Casa modesta, sem muitas coisas modernas, exceto pela TV e
geladeira, adquirida agora, com a redução do IPI, mas muitos livros velhos numa
estante também velha. Ele brinca:
- Agora chupo picolé todo dia, prá compensar o feijão que só é
cozinhado no sábado!
Começo com uma pergunta
que faço sempre que o encontro, só variando o nome do governante de plantão:
- Como está o governo da prefeita Judith, Seu Salviano?
- Tenho acompanhado! Tenho acompanhado! Com mais atenção do que os
outros, pois ela é mulher e, queiramos ou não, ainda somos machistas, embora as
mulheres tenham ficado mais espertas ultimamente. Talvez tenha sido por causa
de machismo que o prefeito anterior perdeu as eleições. Andou espalhando que
mulher só servia para cozinhar e levar ponta. Tendo dito ou não, as mulheres
deram o troco. É preciso cuidado para não usar nem o meu machismo “incruado” em
qualquer julgamento.
- Quer dizer que o senhor acha que ela vai bem?
- Não é tão simples assim! O prefeito que foi bem nos últimos 10 meses
é porque está mamando no PAC, ou na mãe dele. Penso que nossa bela prefeita, e
você sabe que pela minha idade, não preciso usar aquilo de “com todo respeito”,
pois não posso nem faltar com ele, exagerou um pouco nas expectativas. Depois
que voltou à realidade quis compensar com eventos sociais. Mas, as festas se
acabam e volta a penúria. Quando ela completar um ano de governo volte aqui e
conversaremos. E você, o que achou da cidade?
- Nunca vi tantos boatos. Porque o senhor acha que vim aqui? O senhor
sabe que considero os seus boatos mais verdadeiros do que os dos outros!?
Seu Salviano fez uma ar
de riso e de descrédito na minha informação, e disse:
- Você sabe o que ainda atrapalha todos os prefeitos de Bom Conselho,
desde que me entendo por gente?
- Sou todo ouvidos, Seu Salviano.
- Eles nunca souberam discernir entre o que é deles e o que não é,
quando assumem o poder. Direitos e Deveres, nesta área deveriam ser exigidos na
ponta da língua de qualquer governante. Deveria haver até prova prática, como
para tirar carteira de motorista. Todos que sentam na cadeira mais alta se
sentem dono de tudo que os rodeiam, inclusive de algumas pessoas. Quando os
coronéis entregavam a cédula de votação já fechada para o eleitor, tinham-no
como sua propriedade, da mesma forma que em épocas modernas obtém votos em
troca de empregos que não lhes pertence ou de auxílios com verbas públicas.
Deixe-me lhe contar um caso recente. Soube por acaso, ao ver uma
criança aqui da comunidade reclamar por não haver mais avestruzes no Parque
José Feliciano. Eu fui lá olhar. Eu também gostava dos avestruzes. Pelo seu
porte e robustez serviam de admiração e diversão para crianças e adultos. O que
aconteceu? Contaram-me, e se me contaram errado me corrijam, que, antes das
eleições o prefeito, visando o bem estar de sua comunidade, inclusive a minha,
levou para o referido parque alguns animais. Uns disseram que era um macaco, um
jacaré e dois avestruzes. Outros dizem, que o macaco já estava lá, mas isto não
importa. Foi uma festa. Durante algum tempo os animais realmente aumentaram a
alegria da molecada, inclusive a minha. Depois das eleições, nas quais o
prefeito não foi eleito, os avestruzes foram levados de volta por ele.
Comecei a conversar com as pessoas sobre isto. Uns diziam: mas, não
eram dele? Então tem o direito de levá-los de volta. Outros diziam, mas isto é
um absurdo, meu filho se divertia tanto com eles. Deveriam mandar a polícia
pegar de volta na fazenda dele, diziam outros. E assim por diante, ninguém fez
críticas ao prefeito, por ter colocado seus animais dentro de um parque
público. Todos acharam, antes, um magnânimo gesto, levar os animais para
divertir as crianças, no entanto, ninguém se incomodou com o uso dado ao parque
público, que é um espaço público, e que por trás disto há uma série de leis,
normas e regulamentos para sua utilização, os quais nem o prefeito pode mexer
neles ao seu bel prazer. Já pensou se outro prefeito resolve colocar os seus
bois lá e depois tomá-los de volta mais gordos pelo uso do capim público? Não
há muita diferença, em termos de confusão entre o que é público e o que é
privado, daquele prefeito que se acorda uma dia e diz: aqui não precisamos de
cinema, precisamos de mercado público, abaixo o Cine Rex. Ou, esta praça já deu
o que tinha de dar, derrube-se e construa-se uma moderna. Não estou querendo
dizer que nunca se doe um avestruz para um parque, ou se derrube um cinema ou
uma praça, mas, que há normas envolvidas no processo, além da vontade das
pessoas, mesmo que estejam imbuídos das melhores intenções. Até hoje eu não sei
porque o referido prefeito não levou o macaco e o jacaré.
- O senhor concluiu alguma coisa sobre este caso?
- Não muita coisa. Talvez que macaco e jacaré só combinam com avestruz
no Parque José Feliciano. Mas, posso dar um conselho a quem é administrador
público ou pretende ser. Leiam, antes de assumir, o artigo 37 da Constituição
Federal, e estudem bem o que significam os princípios: Legalidade,
Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Se o entenderem e o
praticarem, estaremos saindo do patrimonialismo a passos largos e ficando longe
de tantos prejuízos e injustiças causados por ele. Aí estarão perto de serem
úteis até a sétima geração.
- Até mais ver, Seu Salviano. Foi um bom papo, espero conseguir
reproduzi-lo no Blog da CIT.
- Ainda não cheguei a esta de computador mas soube que vocês já tem até
uma Biblioteca e lá tem uma Constituição para consultar. A minha tá tão
velhinha que qualquer dia desses vou lá...
Voltei para onde estava
hospedado, sem deixar de passar antes pelo Parque José Feliciano. É um espaço
excelente para o bom-conselhense. Só encontrei o macaco e o jacaré, e, pelo
visto, estão bem tratados.
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(*) Publicado em
14.11.2009 no Blog da CIT. Exatamente há 3 anos. Parece que o Diretor
Presidente está escrevendo hoje. Faz algum tempo que não nos comunicamos, mas,
sempre foi um amigo, e dos melhores. Nestes dias de treva para mim me aproveito
dos amigos e os publico, quando eles merecem. Não hesitaria a aconselhar ao
Dandan, pode ser até depois da viagem à Paraíba (não sei se os blogs vão
publicar uma foto dele com o juiz), que lesse este texto para começar sua
gestão com o pé direito e tendo cuidado com o ex-prefeito de que o Diretor
Presidente fala. Foi ele que parece ter dito que “mulher só servia para cozinhar e levar ponta”, e agora sua esposa
é a vice prefeita. Será que Dona Zefa merece isto? Ainda bem que o Dandan não
tem nem mulher. (LP)
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