quarta-feira, 25 de julho de 2012

'O dentro sem fora'





Por Ferreira Gullar (*)

Se há uma pessoa fascinada pelo Universo e ao mesmo tempo grilada com ele, sou eu. Isso começou no dia em que, num curso particular, o professor me revelou a existência da Terra e do Sistema Solar. Saí da aula atordoado.

E era natural, uma vez que, até então, o mundo para mim eram as ruas de São Luís com seus sobrados e, sobretudo, o trecho em que eu morava, com as árvores da Quinta dos Medeiros, o bananal do sítio do Fiquene e, lá longe, o Matadouro e o Areal, por onde às vezes vagabundava.

E vinha agora o professor me dizer que a Terra era redonda, coberta de oceanos e que o Sol era uma estrela em torno da qual ela girava. A Terra é que gira e não o Sol? Mas eu via o Sol surgir por detrás da Camboa, passar por cima de nossa casa e ir descendo em direção ao rio Bacanga. Cansei de vê-lo ─ uma bola de fogo ─ desaparecer atrás do manguezal.

Agora, vem esse professor e me garante que é a Terra que gira em torno do Sol e que, como ele, é redonda ─  uma bola. Ou seja, nada batia com o que eu percebia. Por isso fiquei atordoado, mas, com o tempo, me habituei. Desde que o bananal continuasse lá onde sempre esteve, que eu pudesse ir tomar banho na praia do Olho d’Água e jogar bola no Campo do Ourique, pouco se me dava se a Terra fosse redonda e girasse.

Foi o que disse a mim mesmo, mas o problema estava criado. De vez em quando, olhava o Sol e imaginava a Terra girando em volta dele, com seus oceanos. E a água não derrama?! Pior: a Terra girava numa velocidade de 107 mil quilômetros por hora ─ cem vezes mais veloz que um jato ─ e, no entanto, para mim, ela estava parada! Tive que ir atrás de livros que me explicassem melhor essas coisas.

E desse modo, com as leituras e a reflexão, aprendi a distinguir entre a experiência que os sentidos nos oferecem e o conhecimento científico. O resultado foi que, em lugar da desconfiança, vieram a aceitação e o fascínio.

À medida que me informava melhor, entendia as leis cósmicas que regem o funcionamento do Universo, que foi se tornando uma realidade assustadora e deslumbrante.

Aprendi que os planetas alteram a forma do espaço em volta deles e que isso influi na propagação da luz, e soube dos buracos negros, onde tudo some, sugado por uma força inimaginável. Até a luz é engolida. Some e vai para onde? Não sei nem me informaram.

Mas estes são detalhes, pois o fundamental é responder à questão que intriga a todos: como foi que tudo começou? A resposta é conhecida com o Big Bang, ou seja, a explosão que deu origem ao universo. Bem, para mim, o Big Bang pode ter dado origem às galáxias e a tudo o mais; porém, como o nada não explode, havia antes alguma coisa que explodiu.

E não é que agora, com a notícia de que foi afinal confirmada a tal partícula bóson de Higgs ─ apelidada de “partícula de Deus” ─ minha suspeita se confirma? O que nasceu da tal explosão foi só o universo atual, ou seja, o Big Bang não é a origem de tudo. Isso se entendi bem o que significa o bóson de Higgs.

Os cientistas do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern) é que detectaram essa nova partícula subatômica, a que faltava para completar o Modelo Padrão da Física.

A teoria de Higgs, formulada em 1964, previa a existência de 32 partículas fundamentais, das quais 31 já tinham sido detectadas, menos uma, o bóson, responsável, logo após o Big Bang, pelo surgimento da massa, que viria constituir tudo o que existe, das galáxias aos planetas, das estrelas ao seres vivos.

Noutras palavras, não é que antes do Universo não existisse nada: existia apenas a energia que, por alguma razão, explodiu, gerando os prótons, elétrons etc., que formam os átomos e formariam a matéria cósmica. O que possibilitou a agregação dessas partículas, criando assim a massa, foi o bóson, conforme a teoria de Higgs.

Agora, como surgiu a energia que fez surgir o bóson que fez surgir a massa que constitui o universo, ninguém sabe. Disso os cientistas não falam, e com toda a razão. Mas disso sobra-me uma certeza: por ser infinito, o universo não tem fora, só dentro. Como já dissera Parmênides (século 5º a.C.), o um é um e não é dois.

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(*) Publicado na Folha de São Paulo em 22.07.2012. Eu quando transcrevo artigos, não gosto de mudar seus títulos originais, embora, neste presente caso eu tenho sido muito tentada a fazê-lo. Quis intitular o texto do Ferreira Gullar como “À procura de Deus”. Quando eu fui lendo o texto, fui me lembrando da infância curiosa em Bom Conselho e me enquadrei nele. O sol nascia lá para as bandas da Serra de Santa Terezinha e se punha lá no Cemitério de Santa Marta, com pequenas variações. Isto todos os dias. Como imaginar eu rodando em torno do Sol? Isto só me foi dado a conhecer na escola.

Deus já me havia sido apresentado nas aulas de catecismo e até hoje me basta aquela noção para viver em harmonia com o universo sem duvidar mais nem do Bóson de Higgs. Todos nós fazemos o caminho do Gullar, mas quando já temos Deus no coração, sabemos que o Universo tem fora e este é Deus, e que tudo que há dentro depende do que está fora, no final das contas. Quem não acredita nisto são os ateus e os agnósticos ( que segundo o Jô Soares é um ateu cagão, sem fazer menção ao conterrâneo Roberto Lira), que são os avestruzes modernos. Eu terminaria dizendo que um é três (Pai, Filho e Espírito Santo) (LP).

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