DELTA |
Por Augusto Nunes (*)
Um post aqui publicado em 22 de junho de 2011 registrou a
repulsa dos brasileiros honestos com o desempenho de Lula num encontro do PT em
Sumaré. No Sermão aos Companheiros Pecadores, clímax da missa negra, o mestre
ensinou o mestre a seus discípulos que, sem união, nenhum bando escapa de
perdas dolorosas. Explicou que Antonio Palocci, por exemplo, perdeu o empregão
na Casa Civil não pelo que fez, mas pelo que o rebanho deixou de fazer. Foi
despejado não por excesso de culpa, mas por falta de braços solidários.
Para ilustrar a tese, o pregador evocou o escândalo do
mensalão ─ sem mencionar a expressão banida do vocabulário do bordel das
antigas vestais. “Eu sei, o Zé Dirceu sabe, o João Paulo sabe, o Ricardo
Berzoini sabe, que um dos nossos problemas em 2005 era a desconfiança entre
nós, dentro da nossa bancada”, disse o pregador. “A crise de 2005 começou com
uma acusação no Correio, de três mil reais, o cara envolvido era do PTB, quem
presidia o Correio era o PMDB e eles transformaram a CPI dos Correios, para
apurar isso, numa CPI contra o PT, contra o Zé Dirceu e contra outros
companheiros. Por quê? Porque a gente tava desunido”.
Com o cinismo dos que espancam a verdade desde o berço, o
sumo-sacerdote da seita omitiu o essencial. Foi ele quem entregou o controle
dos Correios ao condomínio formado pelo PMDB e pelo PTB. O funcionário filmado
embolsando propinas era afilhado do deputado Roberto Jefferson, presidente do
PTB, que merecera do amigo presidente “um cheque em branco”. O desconfiado da
história foi Jefferson, que resolveu afundar atirando ao descobrir que o
Planalto não o livraria do naufrágio. Ao contar o que sabia, desmatou a trilha
que levaria ao pântano do mensalão.
Não podemos errar de novo, advertiu o embusteiro. Para
tanto, é preciso preservar a coesão do PT e da base alugada recorrendo à
receita caseira: “A gente se reúne, tranca a porta e se atraca lá dentro”,
prescreveu. Encerrada a briga de foice, unifica-se o discurso em favor dos
delinquentes em perigo. “Eu tô de saco
cheio de ver companheiro acusado, humilhado, e depois não se provar nada”,
caprichou na indignação de araque o padroeiro dos gatunos federais.
Aos olhos do país que presta, gente como o mensaleiro José
Dirceu, a quadrilheira Erenice Guerra ou o estuprador de sigilo bancário
Antonio Palocci têm de prestar contas à Justiça. Para Lula, todos só prestaram
relevantes serviços à pátria. A lealdade ao chefe purifica. “Os adversários não brincam em serviço”,
fantasiou. “Toda vez que o PT se fortalece, eles saem achincalhando o partido”.
Milhões de brasileiros não conseguem enxergar qno homem que
brinca de xerife o vilão do faroeste de quinta categoria. Ao longo de oito
anos, enquanto cuidava de transformar a ignorância em virtude, Lula acelerou a
decomposição moral do país. O Brasil deste começo de século lembra um grande
clube dos cafajestes sustentado por multidões de sobreviventes para os quais a
vida consiste em não morrer de fome. Essa sim é a herança maldita.
Se conseguisse envergonhar-se com alguma coisa, o
ex-presidente estaria pedindo perdão aos brasileiros por ter institucionalizado
a impunidade dos corruptos companheiros. Se não fosse portador da síndrome de
Deus, saberia que ninguém tem poderes suficientes para revogar os fatos e
decretar a inexistência do mensalão. Como Lula é o que é, continua convencido
de que livrará do merecidíssimo castigo os bandidos de estimação.
Neste outono, para perseguir inimigos e, simultaneamente,
dispersar os holofotes concentrados no processo à espera de julgamento no
Supremo Tribunal Federal, o Grande Pastor ordenou ao rebanho que apressasse a
instauração da CPI do Cachoeira. Má ideia. As escavações mal começaram e a
Delta Construção, a empreiteira que mais lucrou com as licitações bandalhas do
PAC, vai assumindo o papel principal na ópera dos ladrões.
Uma CPI do Cachoeira abrange as maracutaias protagonizadas
por um sócio da empresa que ganhou bilhões na construção do Brasil Maravilha de
cartório. Para devassar por inteiro a rede de catacumbas, é necessária uma CPI da Delta. É essencial
ouvir o que tem a dizer Fernando Cavendish, porque as coisas vão muito além de
Goiás e do Distrito Federal. “Como está o Serginho?”, quis saber Lula de um
amigo comum na semana passada. Serginho é Sérgio Cabral, compadre, amigo do
peito e parceiro de Cavendish em aventuras bilionárias. Se já não está, logo
estará muito mal no retrato.
Lula acha que os leais prontuários infiltrados na CPI
manterão as investigações sob controle. Vai descobrir outra vez que pode muito,
mas não pode tudo. A CPI acabará tropeçando nos incontáveis corruptos de bom
tamanho espalhadas pelo caminho. Um dos mais graúdos está no trecho que passa
por Belo Horizonte.
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(*) Publicado no Blog do Augusto Nunes em 24.04.2012. Este
texto é quase uma continuidade natural ao que publiquei ontem aqui, do Arnaldo
Jabor. Já que estou às voltas com problemas pessoais e sem querer aumentá-los com a síndrome da
abstinência dos meus leitores eu publico os outros. Tudo elevando o padrão de
qualidade do blog. Quem diria que publicar textos sobre sujeira neste país aumenta
a qualidade, em termos de veracidade jornalística, deste blog. É uma pena, mas,
é assim. (LP)
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