Por Luis Fernando Veríssimo (*)
Não sucumbi ao telefone celular. Não tenho e nunca terei um
telefone celular. Quando preciso usar um, uso o da minha mulher. Mas
segurando-o como se fosse um grande inseto, possivelmente venenoso,
desconhecido da minha tribo.
Eu não saberia escolher a musiquinha que o identifica.
Aquela que, quando toca, a pessoa diz “é o meu!”, e passa a procurá-lo
freneticamente, depois o coloca no ouvido, diz “alô” várias vezes, aperta
botões errado, desiste e desliga, para repetir toda a função quando a musiquinha
toca outra vez.
Não sei, a gente escolhe a musiquinha quando compra o
celular?
— Tem aí um Beethoven?
— Não. Mas temos as quatro estações do Vivaldi.
— Manda a primavera.
Porque a musiquinha do seu celular também identifica você.
Há uma enorme diferença entre uma pessoa cujo celular toca, digamos, “Take
five“ e uma cujo celular toca Wagner. Você muitas vezes só sabe com quem
realmente está quando ouve o seu celular tocar, e o som do seu celular diz mais
a seu respeito do que você imagina.
Se bem que, na minha experiência, a maioria das pessoas
escolhe músicas galopantes — como a introdução da “Cavalleria rusticana” ou a
ouverture do “Guilherme Tell” — apenas para já colocá-la no adequado espírito
de urgência, ou pânico controlado, que o celular exige.
Sei que alguns celulares ronronam e vibram, discretamente,
em vez de desandarem a chamar seus donos com música. Infelizmente, os donos nem
sempre mostram a mesma discrição.
Não é raro você ser obrigado a ouvir alguém tratando de
detalhes da sua intimidade ou dos furúnculos da tia Djalmira a céu aberto, por
assim dizer.
É como o que nos fazem os fumantes, só que em vez do nosso
espaço aéreo ser invadido por fumaça indesejada, é invadido pela vida alheia.
Que também pode ser tóxica.
Não dá para negar que o celular é útil, mas no caso a
própria utilidade é angustiante. O celular reduziu as pessoas a apenas extremos
opostos de uma conexão, pontos soltos no ar, sem contato com o chão. Onde você
se encontra tornou-se irrelevante, o que significa que em breve ninguém mais
vai se encontrar.
E a palavra “incomunicável” perdeu o sentido. Estar longe de
qualquer telefone não é mais um sonho realizável de sossego e privacidade — o
telefone foi atrás.
Não tenho a menor ideia de como funciona o besouro maldito.
E chega um momento em que cada nova perplexidade com ele torna-se uma ofensa
pessoal, ainda mais para quem ainda não entendeu bem como funciona torneira.
Ouvi dizer que o celular destrói o cérebro aos poucos. Nos
vejo — os que não sucumbiram, os últimos resistentes — como os únicos sãos num
mundo imbecilizado pelo micro-ondas de ouvido, com os quais as pessoas trocarão
grunhidos pré-históricos, incapazes de um raciocínio ou de uma frase completa,
mas ainda conectados. Seremos poucos mas nos manteremos unidos, e trocaremos
informações. Usando sinais de fumaça.
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(*) Publicado no Blog do Noblat em 03.05.2012. Eu, durante um tempo resisti ao
celular, e igual a Veríssimo, o achava um besouro com pernas. Mas, a vida moderna
sem ele, só para os solitários que não lidam com filhos e netos, o que não sei é
o caso dele. O que ainda resisto são às suas outras funções além de ser um
telefone. Atualmente, penso eu, tem até cozinha dentro deles, e se pedirmos um
pizza ela poderá sair pelo buraquinho do microfone.
Semana passada fui à AGD, em sua coluna Deu nos Blogs ou
Notícias, não me lembro, e encontrei um
texto do qual reproduzo uma parte que me levou ainda ter mais receio de ficar
com o celular, como meus filhos já ficam, e tenho certeza que um deles já sofre
da doença da qual o texto fala. Leia e meditem:
“Nomofobia é uma
“doença digital” que começa com a angústia ante a ideia de perder o telefone
celular ou de ser incapaz de ficar sem ele por mais de um dia e termina com as
pessoas se sentindo rejeitadas quando o telefone toca pouco e passam mesmo por
crises de abstinência quando estão sem o aparelho.
É claro que a
nomofobia (do inglês “no mobile phobia”) não tem origem no celular propriamente
dito, mas sim em outros transtornos mentais, como ansiedade e depressão. Não
obstante, os números que surgem a todo dia dão conta de uma verdadeira epidemia
global.
Segundo uma pesquisa
realizada em março na França pela empresa Mingle, aproximadamente 22% dos franceses
dizem ser “impossível” ficar por mais de um dia sem usar o celular. Entre
jovens com idades entre 15 e 19 anos a proporção chega a 35%. E foi uma empresa
francesa de pesquisa, a Ipsos, que realizou uma pesquisa com mil brasileiros e
constatou que 18% de nós somos dependentes de celular.
Mas é no Reino Unido
onde a situação parece mais alarmante. Uma pesquisa realizada pela empresa de
soluções de segurança SecurEnvoy revelou que 66% dos britânicos se dizem “muito
angustiados” com a ideia de perder seu celular. A proporção chega a 76% nos
jovens entre 18 e 24 anos de idade.”
Sem o brilho literário do artigo que abre esta postagem eu
só poderia terminar olhando para o meu celular e dizendo: Cruzes!!! (LP)
ESSA NOSSA VIDA TORNOU-SE NUM DILEMA: QUEM USA CELULAR VAI MORRER COM UM TUMOR NO CEREBELO E, QUEM BEBE CANA?!?!?!
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