quarta-feira, 16 de maio de 2012

A Semana da Escravidão - Os castigos (*)




Os museus coloniais estão repletos de instrumentos pavorosos de punição e suplício dos escravos. Havia três categorias de castigo no Brasil, segundo a classificação feita em 1938 pelo historiador Artur Ramos. A primeira era o dos instrumentos de captura e contenção. Incluíam correntes e colares de ferro, algemas, machos e peias (para pés e mãos), além do tronco — um pedaço de madeira dividido em duas metades com buracos para imobilizar a cabeça, os pés e as mãos — e o viramundo, espécie de tronco menor, de ferro. A máscara de folha de flandres era usada para impedir o escravo de comer cana, rapadura ou engolir pepitas e pedras preciosas. Os anjinhos — anéis de ferro que comprimiam os polegares — eram usados para obter confissões. Nas surras, usava-se a palmatória ou o bacalhau, chicote de cabo curto, de ouro ou madeira com cinco pontas de couro retorcido. Ferros quentes com as iniciais do proprietário ou com a letra F — de fugitivo — também eram utilizados, além do libambo, argola de ferro presa ao pescoço da qual saía uma haste longa, também de ferro, voltada para cima, até o topo da cabeça do escravo, com ou sem chocalhos nas pontas. Na prática, três instrumentos eram usados com regularidade: o chicote, o tronco e os grilhões. A punição mais comum era o açoite do escravo, nas costas ou nas nádegas, quando fugia, cometia algum crime ou alguma falta grave no trabalho. No começo do século XVII, o frei italiano Jorge Benci recomendava que as chibatadas não ultrapassassem o número de quarenta por dia, para não mutilar o escravo. Mas há relatos de viajantes e cronistas com referência a duzentos, trezentos ou até seiscentos açoites. Quantidade tão absurda de chibatadas deixava as costas ou as nádegas do escravo em carne viva. Numa época em que não havia antibióticos, o risco de morte por gangrena ou infecção generalizada era grande. Por isso, banhava-se o escravo com uma mistura de sal, vinagre ou pimenta malagueta — numa tentativa de evitar a infecção das feridas.

O pintor Jean Baptiste Debret conta que, no Rio de Janeiro, escravos acusados de faltas graves, como fuga ou roubo, eram punidos com cinqüenta a duzentas chibatadas. Seu dono tinha de comparecer ao calabouço munido de autorização do intendente de polícia na qual deveriam constar “o nome do delinqüente e o número de chibatadas que deverá receber”. O carrasco, encarregado de executar o castigo, recebia uma pataca por cem chibatadas aplicadas. Pataca era uma antiga moeda de prata no valor de 320 réis. “Todos os dias, entre 9 e 10 horas da manhã, podese ver a fila de negros que devem ser punidos”, escreveu Debret. “Eles vão presos pelo braço, dois em dois, e conduzidos sob escolta da polícia até o local designado para o castigo. Para esse fim existem, em todas as praças mais freqüentadas da cidade, pelourinhos erguido com o intuito de exibir os castigados. [...] Depois de desamarrado (do pelourinho), o negro é deitado no chão, de cabeça para baixo, a fim de evitar-se a perda de sangue. A chaga escondida sob a fralda da camisa escapa assim à picada do enxame de moscas que logo procura esse horrível repasto. Finalmente, terminada a execução, os condenados ajustam a suas calças, e todos, dois por dois, voltam para a prisão com a mesma escolta que os trouxe. [...]

De volta à prisão, a vítima é submetida a uma segunda prova, não menos dolorosa: a lavagem das chagas com vinagre e pimenta, operação sanitária destinada a evitar a infecção do ferimento.”

Uma diferença entre a escravidão urbana e a do campo era o regime de castigos. Nas fazendas e minas de ouro e diamante, os escravos eram punidos pelo feitor ou diretamente pelas mãos dos seus proprietários. Nas cidades, essa tarefa era delegada à polícia. O proprietário que não quisesse castigar seu escravo podia recorrer aos serviços da polícia, mediante pagamento. Os negros eram punidos em prisões ou nos diversos pelourinhos espalhados pelas cidades. O cônsul inglês  James Henderson testemunhou uma dessas punições no Rio de Janeiro. O seu relato:

O cavalheiro obteve autorização para que um de seus escravos fugitivos fosse punido com duzentas chibatadas. Depois que seu nome foi chamado várias vezes, o escravo apareceu na porta da prisão, onde os negros ficam confinados de forma promíscua. Uma corda foi colocada ao redor do seu pescoço, enquanto ele era levado para junto de um grande poste erguido no meio da praça, ao redor do qual seus braços e pernas foram atados. Uma corda imobilizava seu corpo de tal maneira que tornava qualquer movimento impossível. O carrasco, um negro degredado, começou a trabalhar de forma quase mecânica e a cada golpe, que parecia arrancar um pedaço da carne do escravo, ele assoviava de uma forma particular. As chibatadas foram repetidas sempre no mesmo lugar e o negro suportou as primeiras cem de forma determinada. Ao receber a primeira e a segunda chibatada, ele gritou “Jesus”, mas em seguida pendeu sua cabeça contra um dos lados do poste, sem dizer mais uma única sílaba ou pedir clemência.

Com exceção do crime de homicídio, a falta mais grave que um escravo podia cometer era a fuga. Quase 16% do total de prisões feitas pela polícia da corte entre 1808 e 1822 era de escravos foragidos. Era um problema antigo. Quase um século antes, em março de 1741, em resposta a um pedido dos mineiros da Província de Minas Gerais, a coroa portuguesa tinha ordenado que todos os negros que fossem achados em quilombos, “estando neles voluntariamente”, deveriam ser marcados com um F (de fugido) nas costas sobre o ombro. Os reincidentes teriam, na segunda fuga, uma das orelhas cortadas e, na terceira, seriam condenados à morte. Apesar disso, as deserções continuaram em grande número. Em 1755, a Câmara Municipal de Mariana, em Minas Gerais, chegou a propor que os fugitivos que fossem capturados tivessem o tendão de Aquiles cortado para que não pudessem mais correr, embora continuassem aptos a trabalhar capengando. A corte achou a medida por demais desumana e anticristã e recusou o pedido.

As áreas ao redor da corte no Rio de Janeiro, repleta de florestas e montanhas, ofereciam refúgio para centenas de escravos fugitivos. A floresta da Tijuca, o Morro de Santa Teresa e as regiões de Niterói e da atual Lagoa Rodrigo de Freitas ficaram famosas por abrigar quilombos. Seus moradores sobreviviam dos produtos da própria mata, coletando frutas, raízes e matando pequenos animais e roedores. Seu principal sustento, porém, eram as fazendas e chácaras vizinhas, que assaltavam com freqüência. Algumas vezes os escravos foragidos conseguiam até mesmo vender na própria cidade o produto dos seus roubos.

Ao contrário do que se imagina, porém, o principal refúgio dos escravos foragidos não eram as florestas e lugares ermos das zonas rurais, mas a própria cidade. Como havia muitos negros e mulatos libertos no meio urbano, esse tornava-se o ambiente adequado para que um escravo se misturasse à multidão. Era praticamente impossível à polícia averiguar a identidade de cada negro nas ruas do Rio de Janeiro para descobrir se se tratava de um escravo ou de um alforriado. Por isso, os jornais da época estão repletos de anúncios descrevendo negros fugitivos e oferecendo recompensa pela sua recapturação, prática que perdurou por muitas décadas e continuou observada até pouco antes da Abolição. Exemplo de anúncio publicado na época:

Fugiu há dois meses da fazenda de Francisco de Moraes Campos, da Freguesia do Belém, Município de Jundiaí, Província de São Paulo, um escravo de nome Lourenço, [...] com os sinais seguintes: idade 30 anos mais ou menos, estatura regular, rosto comprido, bonito de feição, cabelos grenhos, nariz afilado, boca e beiços mais que regulares, sendo o beiço inferior mais grosso e vermelho, boa dentadura, cor retinta, pouca barba, fino de corpo, tem a coroa da cabeça pelada de carregar objetos, pernas finas, pés palhetas e pisa para fora, é muito ladino, é roceiro e muito bom tropeiro. Gratifica-se bem a quem pegar o dito escravo e paga-se todas as despesas que tiver feito até a ocasião da entrega.

A tarefa de recapturar os escravos foragidos estava confiada aos capitães-do-mato. Seu trabalho era semelhante ao dos caçadores de recompensas do Velho Oeste. Armados de laço e mosquetão, eles percorriam as florestas e zonas rurais a cavalo em busca de fugitivos. Usavam como pistas avisos publicados em jornais ou pregados em postes ou placas de beira de estrada. O escravo recapturado era amarrado a uma corda e obrigado a seguir a pé atrás do cavalo.

Alguns capitães-do-mato tinham troncos em casa, usados para amarrar os escravos recapturados enquanto o valor do resgate era negociado com o proprietário. “Os capitães andam armados, mas só empregam essas armas se encontram resistência”, relatou o viajante prussiano Teodor von Leithold. “Aos negros mortos em escaramuças com a polícia, cortam-lhes as cabeças. Entregues à Justiça, são elas espetadas em paus e colocadas nas esquinas das ruas principais como advertência.” Em geral, a quantia paga a um capitão-do-mato girava em torno de 15% a 20% do preço estimado do escravo, incluindo a recompensa pela recaptura, a alimentação e a guarda do fugitivo até sua entrega ao proprietário.

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(*) Reproduzimos hoje e nos próximos dias um trechos do livro 1808 do jornalista e historiardor Laurentino Gomes, sobre a escravidão no Brasil. Uma forma de não repetir os erros é sempre está lembrando do passado. (LP)

2 comentários:

  1. Hoje, os negros são os mais torturados, porque, essencialmente os mais pobres. Para muitos intelectuais e políticos, tortura só é proibida para brancos, ou gente de classe média, ou alta. Estes dão esporros nos policiais, que ficam se borrando de medo. Dilma disse que era impossível coibir a tortura nas nossas delegacias. Sem agir, já jogou a toalha. Não fizeram uma bela campanha contra a tortura aos presos políticos? Ótimo, e desta participei, como jovem metido a comunista, mas no fundo um democrata. Porém, por que o silêncio sobre a tortura do dia a dia das milhares de delegacias deste imenso país? SILÊNCIO TOTAL. É o Brasil, de cabôco e pai joão.Rafael Brasil.

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  2. gente vamo faze uma coisa mais resumida por favor , asim voces confundem a minha cabeça .

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