Os museus coloniais estão repletos de instrumentos pavorosos
de punição e suplício dos escravos. Havia três categorias de castigo no Brasil,
segundo a classificação feita em 1938 pelo historiador Artur Ramos. A primeira
era o dos instrumentos de captura e contenção. Incluíam correntes e colares de
ferro, algemas, machos e peias (para pés e mãos), além do tronco — um pedaço de
madeira dividido em duas metades com buracos para imobilizar a cabeça, os pés e
as mãos — e o viramundo, espécie de tronco menor, de ferro. A máscara de folha
de flandres era usada para impedir o escravo de comer cana, rapadura ou engolir
pepitas e pedras preciosas. Os anjinhos — anéis de ferro que comprimiam os
polegares — eram usados para obter confissões. Nas surras, usava-se a
palmatória ou o bacalhau, chicote de cabo curto, de ouro ou madeira com cinco
pontas de couro retorcido. Ferros quentes com as iniciais do proprietário ou
com a letra F — de fugitivo — também eram utilizados, além do libambo, argola
de ferro presa ao pescoço da qual saía uma haste longa, também de ferro,
voltada para cima, até o topo da cabeça do escravo, com ou sem chocalhos nas
pontas. Na prática, três instrumentos eram usados com regularidade: o chicote,
o tronco e os grilhões. A punição mais comum era o açoite do escravo, nas
costas ou nas nádegas, quando fugia, cometia algum crime ou alguma falta grave
no trabalho. No começo do século XVII, o frei italiano Jorge Benci recomendava
que as chibatadas não ultrapassassem o número de quarenta por dia, para não
mutilar o escravo. Mas há relatos de viajantes e cronistas com referência a
duzentos, trezentos ou até seiscentos açoites. Quantidade tão absurda de
chibatadas deixava as costas ou as nádegas do escravo em carne viva. Numa época
em que não havia antibióticos, o risco de morte por gangrena ou infecção
generalizada era grande. Por isso, banhava-se o escravo com uma mistura de sal,
vinagre ou pimenta malagueta — numa tentativa de evitar a infecção das feridas.
O pintor Jean Baptiste Debret conta que, no Rio de Janeiro,
escravos acusados de faltas graves, como fuga ou roubo, eram punidos com
cinqüenta a duzentas chibatadas. Seu dono tinha de comparecer ao calabouço
munido de autorização do intendente de polícia na qual deveriam constar “o nome
do delinqüente e o número de chibatadas que deverá receber”. O carrasco,
encarregado de executar o castigo, recebia uma pataca por cem chibatadas
aplicadas. Pataca era uma antiga moeda de prata no valor de 320 réis. “Todos os
dias, entre 9 e 10 horas da manhã, podese ver a fila de negros que devem ser
punidos”, escreveu Debret. “Eles vão presos pelo braço, dois em dois, e conduzidos
sob escolta da polícia até o local designado para o castigo. Para esse fim
existem, em todas as praças mais freqüentadas da cidade, pelourinhos erguido
com o intuito de exibir os castigados. [...] Depois de desamarrado (do
pelourinho), o negro é deitado no chão, de cabeça para baixo, a fim de
evitar-se a perda de sangue. A chaga escondida sob a fralda da camisa escapa
assim à picada do enxame de moscas que logo procura esse horrível repasto.
Finalmente, terminada a execução, os condenados ajustam a suas calças, e todos,
dois por dois, voltam para a prisão com a mesma escolta que os trouxe. [...]
De volta à prisão, a vítima é submetida a uma segunda prova,
não menos dolorosa: a lavagem das chagas com vinagre e pimenta, operação
sanitária destinada a evitar a infecção do ferimento.”
Uma diferença entre a escravidão urbana e a do campo era o
regime de castigos. Nas fazendas e minas de ouro e diamante, os escravos eram
punidos pelo feitor ou diretamente pelas mãos dos seus proprietários. Nas
cidades, essa tarefa era delegada à polícia. O proprietário que não quisesse
castigar seu escravo podia recorrer aos serviços da polícia, mediante
pagamento. Os negros eram punidos em prisões ou nos diversos pelourinhos
espalhados pelas cidades. O cônsul inglês
James Henderson testemunhou uma dessas punições no Rio de Janeiro. O seu
relato:
O cavalheiro obteve autorização para que um de seus escravos
fugitivos fosse punido com duzentas chibatadas. Depois que seu nome foi chamado
várias vezes, o escravo apareceu na porta da prisão, onde os negros ficam
confinados de forma promíscua. Uma corda foi colocada ao redor do seu pescoço,
enquanto ele era levado para junto de um grande poste erguido no meio da praça,
ao redor do qual seus braços e pernas foram atados. Uma corda imobilizava seu
corpo de tal maneira que tornava qualquer movimento impossível. O carrasco, um
negro degredado, começou a trabalhar de forma quase mecânica e a cada golpe,
que parecia arrancar um pedaço da carne do escravo, ele assoviava de uma forma
particular. As chibatadas foram repetidas sempre no mesmo lugar e o negro
suportou as primeiras cem de forma determinada. Ao receber a primeira e a
segunda chibatada, ele gritou “Jesus”, mas em seguida pendeu sua cabeça contra
um dos lados do poste, sem dizer mais uma única sílaba ou pedir clemência.
Com exceção do crime de homicídio, a falta mais grave que um
escravo podia cometer era a fuga. Quase 16% do total de prisões feitas pela
polícia da corte entre 1808 e 1822 era de escravos foragidos. Era um problema
antigo. Quase um século antes, em março de 1741, em resposta a um pedido dos
mineiros da Província de Minas Gerais, a coroa portuguesa tinha ordenado que
todos os negros que fossem achados em quilombos, “estando neles
voluntariamente”, deveriam ser marcados com um F (de fugido) nas costas sobre o
ombro. Os reincidentes teriam, na segunda fuga, uma das orelhas cortadas e, na
terceira, seriam condenados à morte. Apesar disso, as deserções continuaram em
grande número. Em 1755, a Câmara Municipal de Mariana, em Minas Gerais, chegou
a propor que os fugitivos que fossem capturados tivessem o tendão de Aquiles
cortado para que não pudessem mais correr, embora continuassem aptos a
trabalhar capengando. A corte achou a medida por demais desumana e anticristã e
recusou o pedido.
As áreas ao redor da corte no Rio de Janeiro, repleta de
florestas e montanhas, ofereciam refúgio para centenas de escravos fugitivos. A
floresta da Tijuca, o Morro de Santa Teresa e as regiões de Niterói e da atual
Lagoa Rodrigo de Freitas ficaram famosas por abrigar quilombos. Seus moradores
sobreviviam dos produtos da própria mata, coletando frutas, raízes e matando
pequenos animais e roedores. Seu principal sustento, porém, eram as fazendas e
chácaras vizinhas, que assaltavam com freqüência. Algumas vezes os escravos
foragidos conseguiam até mesmo vender na própria cidade o produto dos seus
roubos.
Ao contrário do que se imagina, porém, o principal refúgio
dos escravos foragidos não eram as florestas e lugares ermos das zonas rurais,
mas a própria cidade. Como havia muitos negros e mulatos libertos no meio
urbano, esse tornava-se o ambiente adequado para que um escravo se misturasse à
multidão. Era praticamente impossível à polícia averiguar a identidade de cada
negro nas ruas do Rio de Janeiro para descobrir se se tratava de um escravo ou
de um alforriado. Por isso, os jornais da época estão repletos de anúncios
descrevendo negros fugitivos e oferecendo recompensa pela sua recapturação,
prática que perdurou por muitas décadas e continuou observada até pouco antes
da Abolição. Exemplo de anúncio publicado na época:
Fugiu há dois meses da fazenda de Francisco de Moraes
Campos, da Freguesia do Belém, Município de Jundiaí, Província de São Paulo, um
escravo de nome Lourenço, [...] com os sinais seguintes: idade 30 anos mais ou
menos, estatura regular, rosto comprido, bonito de feição, cabelos grenhos,
nariz afilado, boca e beiços mais que regulares, sendo o beiço inferior mais
grosso e vermelho, boa dentadura, cor retinta, pouca barba, fino de corpo, tem
a coroa da cabeça pelada de carregar objetos, pernas finas, pés palhetas e pisa
para fora, é muito ladino, é roceiro e muito bom tropeiro. Gratifica-se bem a
quem pegar o dito escravo e paga-se todas as despesas que tiver feito até a
ocasião da entrega.
A tarefa de recapturar os escravos foragidos estava confiada
aos capitães-do-mato. Seu trabalho era semelhante ao dos caçadores de
recompensas do Velho Oeste. Armados de laço e mosquetão, eles percorriam as
florestas e zonas rurais a cavalo em busca de fugitivos. Usavam como pistas
avisos publicados em jornais ou pregados em postes ou placas de beira de
estrada. O escravo recapturado era amarrado a uma corda e obrigado a seguir a
pé atrás do cavalo.
Alguns capitães-do-mato tinham troncos em casa, usados para
amarrar os escravos recapturados enquanto o valor do resgate era negociado com
o proprietário. “Os capitães andam armados, mas só empregam essas armas se
encontram resistência”, relatou o viajante prussiano Teodor von Leithold. “Aos
negros mortos em escaramuças com a polícia, cortam-lhes as cabeças. Entregues à
Justiça, são elas espetadas em paus e colocadas nas esquinas das ruas
principais como advertência.” Em geral, a quantia paga a um capitão-do-mato
girava em torno de 15% a 20% do preço estimado do escravo, incluindo a
recompensa pela recaptura, a alimentação e a guarda do fugitivo até sua entrega
ao proprietário.
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(*) Reproduzimos hoje e nos próximos dias um trechos do
livro 1808 do jornalista e historiardor Laurentino Gomes, sobre a escravidão no
Brasil. Uma forma de não repetir os erros é sempre está lembrando do passado.
(LP)
Hoje, os negros são os mais torturados, porque, essencialmente os mais pobres. Para muitos intelectuais e políticos, tortura só é proibida para brancos, ou gente de classe média, ou alta. Estes dão esporros nos policiais, que ficam se borrando de medo. Dilma disse que era impossível coibir a tortura nas nossas delegacias. Sem agir, já jogou a toalha. Não fizeram uma bela campanha contra a tortura aos presos políticos? Ótimo, e desta participei, como jovem metido a comunista, mas no fundo um democrata. Porém, por que o silêncio sobre a tortura do dia a dia das milhares de delegacias deste imenso país? SILÊNCIO TOTAL. É o Brasil, de cabôco e pai joão.Rafael Brasil.
ResponderExcluirgente vamo faze uma coisa mais resumida por favor , asim voces confundem a minha cabeça .
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