segunda-feira, 30 de abril de 2012

Sonhando com o sangue azul





Semana passada estava fazendo um périplo pelos laboratórios da cidade. A vida moderna, com a medicina moderna, torna esta atividade obrigatória para quem está se aproximando da “boa idade”. E parece que só os médico devem considerá-la boa mesmo, pois são eles que mais lucram com ela, depois dos planos de saúde, é claro. E no Brasil, feliz de quem ainda pode pagar um plano para não cair na malha fina do SUS. Malha fina porque, entrou nele, vira suco.

A esperança de vida dos seres humanos subiu muito nos últimos tempos e já nos alertam que quem nascer por estas datas recentes, como meus netos, terá esperança de vida de quase 100 anos, e daí para imortalidade, é só esperar nascer em 2100. Eu, pessoalmente, não vejo muita vantagem nisto, se a esperança de vida que a medicina nos der for inteiramente para zanzar de hospital em hospital, de laboratório em laboratório ou de médico em médico. Termina que, a esperança de vida boa vai se restringir à que tínhamos no século XIX, ou anterior.

Chego a um laboratório e antevejo, com quase exatidão a conversa, depois de passar numa maquininha e tirar uma senha, olhando a expressão triste das pessoas que já estão sentadas e de quando em vez, olham a sua para saber se serão atendidas no mesmo dia.

E chegando mais gente. O que nos deixa animada, pois sabemos que há seres em pior situação. Quão pérfido pode ser o ser humano em determinadas ocasiões. Depois de ouvir um som, ao qual prefiro a voz da Gabi Amarantos na novela das domésticas, e ver que o número 152 é o meu, dirijo-me ao portão de embarque, digo, ao guichê lá anunciado:

- Qual o seu plano de saúde? Carteirinha e RG.

- Tudo isto?

- É claro. Como eu poderia saber que a senhora é você mesma?!

- Minha filha, onde nós estamos?  Será que alguém mandaria outra pessoa fazer exames médicos por ela?

- Estamos no Brasil, minha senhora. O pessoal manda gente doente para fazer o exame por ela e depois faltar ao trabalho. Isto já aconteceu.

- Pensando bem, você está certa. Há poucos dias o José Sarney colocou um aparelho no coração, lá no SUS do Congresso, o Sírio Libanês, só para não instalar uma CPI. E até ameaçou um médico (penso que era um residente) que cismava em dizer que ele não tinha nada. Tá bom, tá aqui meus documentos e o pedido do exame.

- Está em jejum?

- O quê?!

- Está em jejum de 12 horas, minha senhora?! Parou de comer 12 horas antes?

- Ah, sim! Desculpe minha filha, pois eu sou do interior e lá em Bom Conselho quando diziam que uma mulher estava “em jejum”, queriam dizer que ela estava “desprevenida”, sem calcinha, se é que você me entende. Era um vexame. Hoje virou moda. Você está em jejum, minha filha?!

- Não minha senhora. E a  senhora está?

- Estou sem comer há 12 horas?

- Que remédios a senhora está tomando?

- Tomo aquele de pressão, como é que é mesmo? Aquele para colesterol, aquele para alimentar meus neurônios em decadência e....

- Tá bom, já tenho aqui em sua ficha. A senhora continua tomando todos?

- Continuo, e espero que não aumente a lista depois dos exames.

- Pronto, volte e aguarde a chamada do seu nome.

E eu volto para a sala, meu lugar já está tomado e tenho que ficar em pé para tomar o lugar do outro que será inquirido em seguida. E fico lá meditando, lendo alguma coisa que levei, e que agora é um livro que me foi emprestado pelo Zézinho de Caetés, que é ótimo. Ele mostra com riqueza de detalhes como foi a trajetória de Lula, de Caetés até um pouco antes dele pousar no Sírio-Libanês, fugindo do SUS. (O que sei de Lula – José Nêumanne Pinto), do qual retiro e medito sobre o seguinte trecho:

É possível dizer que Luiz Inácio da Silva nasceu no certo, na hora certa, na família certa.

 ....

O mundo que acolheu Luiz Inácio em 27 de outubro de 1945 era completamente diferente daquele em que os seres humanos eram definidos como senhores e escravos, proprietários e servos, nobres e plebeus, ricos, remediados e pobres. O capitalismo predominante, pelo menos no Ocidente, permitiu, como nunca antes em qualquer regime econômico, a mobilidade social.

Depois eu farei outros textos sobre este livro esclarecedor cujo protagonista é o  nosso Lula, que hoje, sem colírio usa óculos escuros como ilustra a foto deste texto. Ele deveria ser muito grato ao capitalismo, e o foi, embora sempre dizendo que era socialista e dando tapinha nas costas do Fidel. Igualzinho ao meu conterrâneo Marlos.

Mas, eu estou em exame, gente. Volto, e ouço a moça, com um papel na mão dizer: Maria Lúcia..., e eu não dou nem tempo de terminar, corro para ela, que muito solícita, neste caso, diz, muito gentilmente:

- Sente, coloque o braço aqui e feche a mão!

Eu obedeço com o rosto voltado para o outro lado, pois já fui furada muitas vezes, mas, ainda hoje reluto em sê-lo, vendo a furada. A moça é boa de seringa e quase nem sinto a picada. Só vejo o sangue jorrar dentro de um vidro, e apenas me pergunto:

-Será que o sangue do Lula é azul?

P.S.: Não resisti e coloquei a mesma foto que saiu na AGD, e em outros blogs, do Lula e a Dilma de óculos escuros, mesmo porque ontem passei algumas horas com um igual assistindo a um filme 3D, mas, isto é assunto que conto depois.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

SOBRE AS COTAS RACIAIS (*)




Por Reinaldo Azevedo (**)

O Supremo Tribunal Federal deve retomar hoje o julgamento sobre as cotas raciais nas universidades públicas. Eis mais um tema que desperta paixões e que se abre a todo tipo de feitiçaria interpretativa da Constituição. Não há juízo neste mundo, NÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO AO MENOS, que consiga dar sentido alternativo ao que vai no caput do Artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)”

Causa finita est. Ou deveria ser ao menos. “Todos” quer dizer “todos” — brancos, mestiços, pretos, amarelos, vermelhos…  Se as circunstâncias, em razão de uma gama enorme de fatores, torna desiguais os homens, desiguais eles são na vida social. E a política existe justamente para que se organizem e busquem viver na prática essa igualdade. Não será DESIGUALANDO-OS DIANTE DA LEI E JOGANDO FORA A CONSTITUIÇÃO que se vai produzir igualdade. O resto é o que chamo feitiçaria interpretativa. Em 2008, o ministro Ayres Britto, agora presidente do tribunal, fez uma afirmação de apelo supostamente poético, que seria endossada por qualquer representante de modelos totalitários do século 20, a saber:
“A verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”.

Não! Essa é só a verdadeira desigualdade. O jogo de palavras esconde um conceito terrível: alguns homens estão — os considerados, em princípio, “desiguais” — acima ou fora das leis. Repete, assim, na prática, o primado daquela tal Associação Juízes para a Democracia. O que precisa ser melhorado no Brasil é a escola pública. Ainda que fosse verdade — existem a respeito mais mistificações do que dados — que o regime de cotas amplia o número de negros nas universidades, isso não poderia se dar suprimindo direitos de terceiros, tenham que cor tiverem. Há três ações no Supremo. Uma delas destroça o aspecto supostamente virtuoso da frase da Britto. Explico.

O estudante Giovane Pasqualito Fialho, branco, foi reprovado num vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, embora tenha tido nota superior à de alunos que ingressaram pelo regime de cotas. A frase do ministro Britto, que pretende chamar de “desiguais” os negros, sugerindo que a “desigualdade” de tratamento é necessária para torná-los, então, iguais, ignora que uma outra desigualdade perante a lei se produziu: gente como Fialho teve seu direito suprimido. Entender que um negro ou mestiço tem direito especial a uma vaga, mesmo com nota inferior ao candidato em questão, faz de Fialho, que é branco, o responsável por uma desigualdade que não foi produzida nem por ele nem pelo vestibular da UFRGS, certo? Por que Fialho deveria pagar pessoalmente por isso? Porque é branco? Isso é democracia racial, ministro Britto?

Só há uma resposta para isso, a saber: o bem geral que a lei de cotas produziria, infelizmente, faria mesmo algumas injustiças pontuais no meio do caminho. É outro mimo do pensamento totalitário: alguns terão de pagar pela grandeza e pelo triunfo de algumas ideias,  ainda que com seus direitos individuais. Não há como respeitar a Constituição e aceitar as cotas raciais ao mesmo tempo.

Lembram-se do casamento gay

Embora a Constituição seja explícita AO ESPECIFICAR que união civil é aquela celebrada entre homem e mulher — e, salvo engano, homem é homem, e mulher e mulher, pouco importando a destinação que deem àquilo que Britto chamou o “seu regalo” —, o que fez o Supremo (e por unanimidade)? Apelou ao Artigo 5º da Constituição e determinou que o fundamento da igualdade obrigava a reconhecer a união civil também entre homossexuais. E o próprio Britto foi entusiasta dessa tese.

Muito bem! Mesmo contra a letra explícita de um artigo, apela-se ao fundamento geral da igualdade para aceitar a união civil homossexual. Na hora de decidir sobre as cotas, o que é igualdade no artigo 5º deve ser entendido como “tratar desigualdade os desiguais”? Vale para um caso (mesmo contra a literalidade de um artigo), mas não vale para outro? Muito bem: no argumento de Britto, recorre-se ao tratamento desigual diante da lei para tornar, então, nas suas palavras, os negros iguais aos brancos. Ocorre que esse raciocínio tem uma sobra lógica: os brancos preteridos, embora com nota maior, são, então, iguais a quem ou quê? Ainda que todo branco fosse herdeiro dos escravocratas — inclusive os descendentes de imigrantes que vieram de lascar nas lavouras de café ou na nascente indústria brasileira, enfrentando uma vida maldita de privações —, deveriam pagar as, vá lá, faltas de seus ancestrais? Que diabo de conceito jurídico é esse?

Manifesto antirracialista

Em abril de 2008, 113 pessoas enviaram um manifesto aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Sou um dos signatários. O título é este: “Cento e treze cidadãos antirracistas contra as leis raciais”. Abaixo, transcrevo alguns trechos. A íntegra está aqui. Que fique claro: não tenho a menor esperança de que se vá fazer a coisa certa. Essa é uma das questões que integram o rol das ações politicamente corretas. Ter a ousadia de debatê-la já arma espíritos. É a “democracia” segundo o entendimento de alguns… Bem, não será assim aqui, como vocês sabem muito bem. Seguem trechos do manifesto.

(…)
Nós, intelectuais da sociedade civil, sindicalistas, empresários e ativistas dos movimentos negros e outros movimentos sociais, dirigimo-nos respeitosamente aos Juízes da corte mais alta, que recebeu do povo constituinte a prerrogativa de guardiã da Constituição, para oferecer argumentos contrários à admissão de cotas raciais na ordem política e jurídica da República.

Na seara do que Vossas Excelências dominam, apontamos a Constituição Federal, no seu Artigo 19, que estabelece: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. O Artigo 208 dispõe que: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.
(…)
Apresentadas como maneira de reduzir as desigualdades sociais, as cotas raciais não contribuem para isso, ocultam uma realidade trágica e desviam as atenções dos desafios imensos e das urgências, sociais e educacionais, com os quais se defronta a nação. E, contudo, mesmo no universo menor dos jovens que têm a oportunidade de almejar o ensino superior de qualidade, as cotas raciais não promovem a igualdade, mas apenas acentuam desigualdades prévias ou produzem novas desigualdades:

- As cotas raciais exclusivas, como aplicadas, entre outras, na Universidade de Brasília (UnB), proporcionam a um candidato definido como “negro” a oportunidade de ingresso por menor número de pontos que um candidato definido como “branco”, mesmo se o primeiro provém de família de alta renda e cursou colégios particulares de excelência e o segundo provém de família de baixa renda e cursou escolas públicas arruinadas. No fim, o sistema concede um privilégio para candidatos de classe média arbitrariamente classificados como “negros”.

- As cotas raciais embutidas no interior de cotas para candidatos de escolas públicas, como aplicadas, entre outras, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), separam os alunos proveniente de famílias com faixas de renda semelhantes em dois grupos “raciais” polares, gerando uma desigualdade “natural” num meio caracterizado pela igualdade social. O seu resultado previsível é oferecer privilégios para candidatos definidos arbitrariamente como “negros” que cursaram escolas públicas de melhor qualidade, em detrimento de seus colegas definidos como “brancos” e de todos os alunos de escolas públicas de pior qualidade.
(…)
Raças humanas não existem. A genética comprovou que as diferenças icônicas das chamadas “raças” humanas são características físicas superficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25 mil genes estimados do genoma humano. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de 10 genes! Nas palavras do geneticista Sérgio Pena: “O fato assim cientificamente comprovado da inexistência das ‘raças’ deve ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais Uma postura coerente e desejável seria a construção de uma sociedade desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada. Temos de assimilar a noção de que a única divisão biologicamente coerente da espécie humana é em bilhões de indivíduos, e não em um punhado de ‘raças’.” (”Receita para uma humanidade desracializada”, Ciência Hoje Online, setembro de 2006).

Não foi a existência de raças que gerou o racismo, mas o racismo que fabricou a crença em raças. O “racismo científico” do século XIX acompanhou a expansão imperial europeia na África e na Ásia, erguendo um pilar “científico” de sustentação da ideologia da “missão civilizatória” dos europeus, que foi expressa celebremente como o “fardo do homem branco”.
(…)
A meta nacional deveria ser proporcionar a todos um ensino básico de qualidade e oportunidades verdadeiras de acesso à universidade. Mas há iniciativas a serem adotadas, imediatamente, em favor de jovens de baixa renda de todas as cores que chegam aos umbrais do ensino superior, como a oferta de cursos preparatórios gratuitos e a eliminação das taxas de inscrição nos exames vestibulares das universidades públicas. Na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o Programa de Cursinhos Pré-Vestibulares Gratuitos, destinado a alunos egressos de escolas públicas, atendeu em 2007 a 3.714 jovens, dos quais 1.050 foram aprovados em concursos vestibulares, sendo 707 em universidades públicas. Medidas como essa, que não distinguem os indivíduos segundo critérios raciais abomináveis, têm endereço social certo e contribuem efetivamente para a amenização das desigualdades.
(…)
A propaganda cerrada em favor das cotas raciais assegura-nos que os estudantes universitários cotistas exibem desempenho similar ao dos demais. Os dados concernentes ao tema são esparsos, contraditórios e pouco confiáveis. Mas isso é essencialmente irrelevante, pois a crítica informada dos sistemas de cotas nunca afirmou que estudantes cotistas seriam incapazes de acompanhar os cursos superiores ou que sua presença provocaria queda na qualidade das universidades. As cotas raciais não são um distúrbio no ensino superior, mas a face mais visível de uma racialização oficial das relações sociais que ameaça a coesão nacional.

A crença na raça é o artigo de fé do racismo. A fabricação de “raças oficiais” e a distribuição seletiva de privilégios segundo rótulos de raça inocula na circulação sanguínea da sociedade o veneno do racismo, com seu cortejo de rancores e ódios. No Brasil, representaria uma revisão radical de nossa identidade nacional e a renúncia à utopia possível da universalização da cidadania efetiva.

*

Eis alguns dos 113 signatários da carta:

Aguinaldo Silva, Alba Zaluar, Antonio Cícero, Bolivar Lamounier, Caetano Veloso, Demétrio Magnoli, Edmar Lisboa Bacha, Eduardo Giannetti, Eduardo Pizarro Carnelós, Eunice Durham, Ferreira Gullar, Gerald Thomas, Gilberto Velho, João Ubaldo Ribeiro, José Augusto Guilhon Albuquerque, José de Souza Martins, Lourdes Sola, Luciana Villas-Boas, Lya Luft, Maria Sylvia Carvalho Franco, Nelson Motta, Reinaldo Azevedo, Roberto Romano da Silva, Ruth Correa Leite Cardoso, Wanderley Guilherme dos Santos e Yvonne Maggie.

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(*) O título origina do texto é: SUPREMO RETOMA HOJE [25.04.2012] JULGAMENTO SOBRE COTAS RACIAIS. NÓS, OS ANTIRRACISTAS, TEMOS O DEVER DE COMBATER A RACIALIZAÇÃO DO BRASIL.

(**) Publicado no Blog do Reinaldo Azevedo em 25.04.2012. Neste período de investigação de doença, não há como não apelar para os outros para evitar que os meus leitores me procurem e não achem nada nele, apesar disto poder acontecer se cessarem as matérias que considero boas. Como todos sabem, igual ao Fernando Henrique, eu tenho um pé na cozinha, pois meu pais, muitas vezes, apesar de não ser puro, foi chamado de “negro de alma branca”, como hoje eu não gosto que meus opositores me chamem de “branca de alma negra”. Para mim seria muito fácil entrar num faculdade pelo regime de cotas. Bastaria mostrar meus lábios. Entretanto, é pensando nos de nossa própria cor que sou contra a este tal de regime de cotas. Eu não suportaria ouvir, depois de formada: “lá vai a cotista!”. Comigo seriam 114 signatários da carta. (LP)

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Para devassar todas as catacumbas da quadrilha, é necessária uma CPI da Delta



DELTA


Por Augusto Nunes (*)

Um post aqui publicado em 22 de junho de 2011 registrou a repulsa dos brasileiros honestos com o desempenho de Lula num encontro do PT em Sumaré. No Sermão aos Companheiros Pecadores, clímax da missa negra, o mestre ensinou o mestre a seus discípulos que, sem união, nenhum bando escapa de perdas dolorosas. Explicou que Antonio Palocci, por exemplo, perdeu o empregão na Casa Civil não pelo que fez, mas pelo que o rebanho deixou de fazer. Foi despejado não por excesso de culpa, mas por falta de braços solidários.

Para ilustrar a tese, o pregador evocou o escândalo do mensalão ─ sem mencionar a expressão banida do vocabulário do bordel das antigas vestais. “Eu sei, o Zé Dirceu sabe, o João Paulo sabe, o Ricardo Berzoini sabe, que um dos nossos problemas em 2005 era a desconfiança entre nós, dentro da nossa bancada”, disse o pregador. “A crise de 2005 começou com uma acusação no Correio, de três mil reais, o cara envolvido era do PTB, quem presidia o Correio era o PMDB e eles transformaram a CPI dos Correios, para apurar isso, numa CPI contra o PT, contra o Zé Dirceu e contra outros companheiros. Por quê? Porque a gente tava desunido”.

Com o cinismo dos que espancam a verdade desde o berço, o sumo-sacerdote da seita omitiu o essencial. Foi ele quem entregou o controle dos Correios ao condomínio formado pelo PMDB e pelo PTB. O funcionário filmado embolsando propinas era afilhado do deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, que merecera do amigo presidente “um cheque em branco”. O desconfiado da história foi Jefferson, que resolveu afundar atirando ao descobrir que o Planalto não o livraria do naufrágio. Ao contar o que sabia, desmatou a trilha que levaria ao pântano do mensalão.

Não podemos errar de novo, advertiu o embusteiro. Para tanto, é preciso preservar a coesão do PT e da base alugada recorrendo à receita caseira: “A gente se reúne, tranca a porta e se atraca lá dentro”, prescreveu. Encerrada a briga de foice, unifica-se o discurso em favor dos delinquentes em perigo.  “Eu tô de saco cheio de ver companheiro acusado, humilhado, e depois não se provar nada”, caprichou na indignação de araque o padroeiro dos gatunos federais.

Aos olhos do país que presta, gente como o mensaleiro José Dirceu, a quadrilheira Erenice Guerra ou o estuprador de sigilo bancário Antonio Palocci têm de prestar contas à Justiça. Para Lula, todos só prestaram relevantes serviços à pátria. A lealdade ao chefe purifica.  “Os adversários não brincam em serviço”, fantasiou. “Toda vez que o PT se fortalece, eles saem achincalhando o partido”.

Milhões de brasileiros não conseguem enxergar qno homem que brinca de xerife o vilão do faroeste de quinta categoria. Ao longo de oito anos, enquanto cuidava de transformar a ignorância em virtude, Lula acelerou a decomposição moral do país. O Brasil deste começo de século lembra um grande clube dos cafajestes sustentado por multidões de sobreviventes para os quais a vida consiste em não morrer de fome. Essa sim é a herança maldita.

Se conseguisse envergonhar-se com alguma coisa, o ex-presidente estaria pedindo perdão aos brasileiros por ter institucionalizado a impunidade dos corruptos companheiros. Se não fosse portador da síndrome de Deus, saberia que ninguém tem poderes suficientes para revogar os fatos e decretar a inexistência do mensalão. Como Lula é o que é, continua convencido de que livrará do merecidíssimo castigo os bandidos de estimação.

Neste outono, para perseguir inimigos e, simultaneamente, dispersar os holofotes concentrados no processo à espera de julgamento no Supremo Tribunal Federal, o Grande Pastor ordenou ao rebanho que apressasse a instauração da CPI do Cachoeira. Má ideia. As escavações mal começaram e a Delta Construção, a empreiteira que mais lucrou com as licitações bandalhas do PAC, vai assumindo o papel principal na ópera dos ladrões.

Uma CPI do Cachoeira abrange as maracutaias protagonizadas por um sócio da empresa que ganhou bilhões na construção do Brasil Maravilha de cartório. Para devassar por inteiro a rede de catacumbas,  é necessária uma CPI da Delta. É essencial ouvir o que tem a dizer Fernando Cavendish, porque as coisas vão muito além de Goiás e do Distrito Federal. “Como está o Serginho?”, quis saber Lula de um amigo comum na semana passada. Serginho é Sérgio Cabral, compadre, amigo do peito e parceiro de Cavendish em aventuras bilionárias. Se já não está, logo estará muito mal no retrato.

Lula acha que os leais prontuários infiltrados na CPI manterão as investigações sob controle. Vai descobrir outra vez que pode muito, mas não pode tudo. A CPI acabará tropeçando nos incontáveis corruptos de bom tamanho espalhadas pelo caminho. Um dos mais graúdos está no trecho que passa por Belo Horizonte.

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(*) Publicado no Blog do Augusto Nunes em 24.04.2012. Este texto é quase uma continuidade natural ao que publiquei ontem aqui, do Arnaldo Jabor. Já que estou às voltas com problemas pessoais  e sem querer aumentá-los com a síndrome da abstinência dos meus leitores eu publico os outros. Tudo elevando o padrão de qualidade do blog. Quem diria que publicar textos sobre sujeira neste país aumenta a qualidade, em termos de veracidade jornalística, deste blog. É uma pena, mas, é assim. (LP)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A falência múltipla dos órgãos públicos





Por Arnaldo Jabor (*)

Os corruptos ajudam-nos a descobrir o País. Há sete anos, Roberto Jefferson nos abriu a cortina do mensalão. Agora, com a dupla personalidade de Demóstenes Torres, descortinamos rios e florestas e a imensa paisagem de Cachoeira. Jefferson teve uma importância ideológica.

Cachoeira é uma inovação sociológica. Cachoeira é uma aula magna de ciência política sobre o Sistema do País. Vamos aprender muito com essa crise. É um esplendoroso universo de fatos, de gestos, de caras, de palavras que eclodiram diante de nossos olhos nas últimas semanas. Meu Deus, que riqueza, que profusão de cores e ritmos em nossa consciência política! Que fartura de novidades da sordidez social, tão fecunda quanto a beleza de nossas matas, cachoeiras, várzeas e flores.

Roberto Jefferson denunciou os bolchevistas no poder, os corruptos que roubavam por “bons motivos”, pelo “bem do povo”, na base dos “fins que justificam os meios”. E, assim, defenestrou a gangue de netinhos de Lenin que cercavam o Lula que, com sua imensa sorte, se livrou dos mandachuvas que o dominavam. Cachoeira é uma alegoria viva do patrimonialismo, a desgraça secular que devasta a história de nosso País. Sarney também seria ‘didático’, mas nada gruda nele, em seu terno de ‘teflon’; no entanto, quem estudasse sua vida entenderia o retrato perfeito do atraso brasileiro dos últimos 50 anos.

Cachoeira é a verdade brasileira explícita, é o retrato do adultério permanente entre a coisa pública e privada, aperfeiçoado nos últimos dez anos, graças à maior invenção de Lula: a ‘ingovernabilidade’.

Cachoeira é um acidente que rompeu a lisa aparência da ‘normalidade’ oficial do País. Sempre soubemos que os negócios entre governo e iniciativa privada vêm envenenados pelas eternas malandragens: invenção de despesas inúteis (como as lanchas do Ministério da Pesca), superfaturamento de compras, divisão de propinas, enfrentamento descarado de flagrantes, porque perder a dignidade vale a pena, se a grana for boa, cabeça erguida negando tudo, uns meses de humilhações ignoradas pelo cinismo e pela confiança de que a Justiça cega, surda e muda vai salvá-los. De resto, com a grana na ‘cumbuca’, as feridas cicatrizam logo.

O governo do PT desmoralizou o escândalo e Cachoeira é o monumento que Lula esculpiu. Lula inventou a ingovernabilidade em seu proveito pessoal. Não foi nem por estratégia política por um fim ‘maior’ – foi só para ele.

Achávamos a corrupção uma exceção, um pecado, mas hoje vemos que o PT transformou a corrupção em uma forma de governo, em um instrumento de trabalho. A corrupção pública e a privada é muito mais grave e lesiva que o tráfico de drogas.

Lula teve a esperteza de usar nossa anomalia secular em projeto de governo. Essa foi a realização mais profunda do governo Lula: o escancaramento didático do patrimonialismo burguês e o desenho de um novo e ‘peronista’ patrimonialismo de Estado.

Quando o paladino da moralidade Demóstenes ficou nu, foi uma mão na roda para dezenas de ladrões que moram no Congresso: “Se ele também rouba, vamos usá-lo como um Omo, um sabão em pó para nos lavar, vamos nos esconder atrás dele, vamos expor nosso escândalo por seu comportamento e, assim, seremos esquecidos!”

Os maiores assaltantes se horrorizaram, com boquinha de nojo e olhos em alvo: “Meu Deus… como ele pôde fazer isso?…”

Usam-no como um oportuno bode expiatório, mas ele é mais um ‘boi de piranha’ tardio, que vai na frente para a boiada se lavar atrás.

Demóstenes foi uma isca. O PT inventou a isca e foi o primeiro a mordê-la. “Otimo!” – berrou o famoso estalinista Rui Falcão – “Agora vamos revelar a farsa do mensalão!” – no mesmo tom em que o assassino iraniano disse que não houve holocausto. “Não houve o mensalão; foi a mídia que inventou, porque está comprada pela oposição!” Os neototalitários não desistem da repressão à imprensa democrática…

E foi o Lula que estimulou a CPI, mesmo prejudicando o governo de Dilma, que ele usa como faxineira também das performances midiáticas que cometeu em seu governo. Dilma está aborrecida. Ela não concorda que as investigações possam servir para que o Partido se vingue dos meios de comunicação e não quer paralisar o Congresso. Mas Lula não liga. “Ela que se vire…” – ele pensa em seu egoísmo, secretamente, até querendo que ela se dane, para ele voltar em 14. Agora, todo mundo está com medo, além da presidente. O PT está receoso – talvez vagamente arrependido. Pode voltar tudo: aloprados, caixas 2 falsas, a volta de Jefferson, Celso Daniel, tantas coisinhas miúdas… A CPI é um poço sem fundo. O PMDB, liderado pelo comandante do atraso Sarney, também está com medo. A velha raposa foi contra, pois sabe que merda não tem bússola e pode espirrar neles. Vejam o pânico de presidir o Conselho de Ética, conselho que tem membros com graves problema na Justiça. Se bem que é maravilhoso o povo saber que Renan, Juca, Humberto Alves, Gim Argello, Collor serão os ‘catões’, os puros defensores da decência… Não é sublime tudo isso? Nunca antes, em nossa história, alianças tão espúrias tiveram o condão de nos ensinar tanto sobre o Brasil. A cada dia nos tornamos mais sábios, mais cultos sobre essa grande chácara de oligarquias. E eu estou otimista. Acho que tudo que ocorre vai nos ensinar muito. Há qualquer coisa de novo nessa imundície. O mundo atual demanda um pouco mais de decência política. Cachoeira, Jefferson, Durval Barbosa nos ensinam muito. Estamos progredindo, pois aparece mais a secular engrenagem latrinária que funciona abaixo dos esgotos da pátria. A verdade está nos intestinos da política.

Mas, o País é tão frágil, tão dependente de acasos, que vivemos com o suspense do julgamento do mensalão pelo STF.

Se o ministro Ricardo Lewandowski não terminar sua lenta leitura do processo, nada acontecerá e a Justiça estará desmoralizada para sempre.

(*) Publicado em O Globo de 17.04.2012. Estou lendo um livro que o Zezinho de Caetés me emprestou que parece até que o Jabor faz dele um resumo irônico e certeiro deste nosso país, só que com mais atualidade: “O que sei de Lula” do José Nêumanne Pinto, pelo menos até onde eu fui. Depois resumo algumas coisas para vocês. É triste, mas, é o que temos. (LP)

terça-feira, 24 de abril de 2012

O III Encontro de Blogueiros e o "cavalo do cão"



Foto do Blog do André Bernardo


Ontem escrevi no Mural da AGD um pequeno recado, onde toquei no III Encontro de Blogueiros, organizado pelo Poeta, o bardo de Arapiraca, em Bom Conselho, minha terra idolatrada, salve, salve. Hoje volto com mais espaço aqui, para dizer de meu sentimento que é um misto de regozijo e pena.

O Poeta tem algumas boas qualidades,  além de ter sido seminarista, eu reconheço. Uma delas é ser um blogueiro com mais experiência na área de comunicação, pela sua passagem, como radialista, por vários veículos do ramo, embora, sem muito sucesso, pelas suas atitudes intempestivas e rompantes verbais.

Como diz um filho meu: “O homem se acha!” Tudo se passa com se ele fosse o único a saber manejar um blog, a saber manejar um microfone, e a saber dar a última palavra, sobre tudo. Quem o acompanha, e eu o fiz, mesmo ameaçada desde o início, por jumentinhas e seus pegadores e depois pelo Xico Pitomba, sabe que o cara come feijão preto e arrota caviar. E nisto somos antípodas. Eu não gosto de caviar e adoro uma feijoada, mesmo sabendo que é um prato francês.

Os Encontros de Blogueiros sempre os achei uma boa criação e os acompanho desde o primeiro, de longe, pois sou prevenida por todos dos riscos que lá correria. No entanto, eu já previa que este último seria o fiasco que foi. O Blog do Poeta é um blog político, e não tenho nada contra isto. Apenas, não é por ser político que se tenha de tomar partido, e também não tenho nada contra isto também. Mas, virar a casaca como o Poeta vem virando, só leva ao descrédito e penso isto se refletiu no comparecimento ao evento.

Se no segundo Encontro, houve o comparecimento de muitos blogueiros de outras cidades, neste, pelo menos pelas fotos, não vi nenhum. Nem mesmo o Guerrilheiro das Sete Colinas, cuja participação no outro eu notei, como também o Ronaldo César e o Wagner Marques. Neste terceiro Encontro, de blogueiros eu vi nas fotos, apenas o Tiago Padilha, o André Bernardo, com seu indefectível óculos de soldado alemão, e minha colega de gênero, a Niedja, de cujo blog, de quando em vez, eu roubo algumas fotos.

Comentei a não ida do Zé Carlos ao Encontro, e ainda penso que ele está dourando a pílula em dizer que estava cuidando do neto. Talvez até seja, mas, esta fábula de que ele escreve por tanta gente que esqueceu de quem ele é, deve ter pesado na sua decisão. E ainda mais iria haver aula de falsificação de IPs. Ele deve ter ficado com medo.

O que senti mesmo, em todos os encontros foi perder a palestra do Dr. Renato Curvelo sobre os blogs e as eleições, e sobre o anonimato. Espero que ele publique, como fez com aquela obra prima sobre o anonimato, um resumo de sua palestra, em algum blog, até mesmo no do Poeta, embora eu ache que na AGD ele será mais lido, pois a audiência é mais adequada para este tipo de escrito.

Enfim, acabo aqui com meus maus sentimentos esperando que o Poeta tenha aprendido a lição de que “cavalo do cão” hoje neste país, só o Lula, assim mesmo porque ainda não descobriram o que ele fez. Quando descobrirem, com certeza o “cão sem cavalo”.

P.S.: Já havia terminado o texto acima quando vi na AGD (na coluna Deu nos Blogs) uma postagem do Blog do Poeta, onde ele reclama de que estão dizendo que o Encontro não existiu. Eu não sou "mente de ovo", e acho que ele existiu, se resumindo a 4 blogueiros e deve ter sido salvo pela palestra do Dr. Renato. Agora que foi um fiasco, isto nem o bardo de Arapiraca pode negar. No próximo, se o Poeta continuar com o Ego desse tamanho, o Encontro será ele e o André Bernardo.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Aborto é decisão das mulheres, não do Estado





Por Luis Fernando Veríssimo (*)

A questão da liberação ou não do aborto é uma questão antiga como a tragédia grega.

Em “Antígona”, escrita séculos antes de Cristo, Sófocles já tratou do que é, no fundo, o que se discute hoje, os limites da intervenção do Estado na vida e nas crenças das pessoas. Antígona quer enterrar seu irmão, morto em guerra contra Tebas, e por isso condenado pelo rei de Tebas a permanecer insepulto.

A peça é sobre o confronto de Antígona com o rei Créon, do sentimento com a lei, do individuo com o Estado, do poder da compaixão e dos rituais familiares com o poder institucionalizado e prepotente.

A lei de Tebas proíbe o sepultamento do irmão de Antígona, que se rebela e o enterra assim mesmo, com o sacrifício da própria vida.

Em gerações ainda por vir o confronto de Antígona e Créon se repetirá. No caso do aborto, em países como o Brasil em que a legislação a respeito ainda não foi modernizada, a intervenção do Estado chega às entranhas da mulher.

É a lei que decide o que a mulher deve fazer ou não fazer com o filho indesejado, ou que ameaça a sua vida. E esta é uma decisão que deveria acontecer o mais longe possível de qualquer consideração legal, no íntimo da mulher, que é dona do seu corpo e do seu destino.

Nem é preciso lembrar que a legislação atrasada força mulheres a recorrer ao aborto clandestino, em condições precárias, com riscos que não existiriam no caso da legalização.

Discute-se quando começa a vida, o que equivale a fixar em que ponto o feto, de acordo com a lei, passa a ser protegido do Estado. Mas do começo ao fim da gestação o feto faz parte do corpo da mulher. O ideal é o processo se completar sem interrupção, ninguém quer a banalização do aborto, mas até a criança ser “dada à luz” ela pertence à mulher, a quem cabe tomar decisões sobre sua vida tanto quanto sobre sua própria vida.

O Estado não tem nada a fazer neste arranjo particular, salvo assegurar as melhores condições possíveis para o parto ou para o aborto.

SEM SEPULTURA

A analogia com a peça de Sófocles também serve para o que se pretende com a investigação do que houve durante a repressão aos contestadores do regime militar.

No caso a analogia é ainda mais apta, pois um dos objetivos da tal Comissão da Verdade é localizar os corpos dos insurgentes mortos, que permanecem não insepultos, mas em covas desconhecidas, enterrados sem cerimônias ou identificação.

Antígona quer que o Estado devolva o corpo do seu irmão à família, para enterrá-lo. Ele não pertence mais ao Estado, nem a quem o armou para atacar o Estado. Não pertence mais à História. Agora é apenas um irmão morto sem uma sepultura digna.

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(*) Publicado em 19.04.2012 no Blog do Noblat. Escrevi sobre este tema anteriormente (aqui) e publico este texto, pela forma brilhante de escrever do autor, e com a concordância no que se refere à anencefalia, comprovada e atestada. Exageros à parte, concordo com tudo. Programei isto para sair na segunda, se minha conexão em Gravatá estiver como sempre. (LP)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Brasília 50 anos (*)




É ótimo um feriado, principalmente quando estamos ruim de assunto para escrever, e este do qual falarei é importante, o 21 de abril. É importante porque se homenageia um herói das lutas por nossa independência política, o Tiradentes. Mas, neste ano, por ser o quinquagésimo aniversário de nossa atual capital: Brasília, ele se torna mais importante ainda.

Não vou aqui repetir a História que aprendemos, e muitas vezes esquecemos, nos cursos básicos de nossos colégios. Só relembrar que já tivemos três capitais, Salvador, Rio de Janeiro e Brasília. Esta última, apesar de ser prevista desde a primeira Constituição republicana de 1891, e haver planos e projetos desde este tempo, com a demarcação de um quadrilátero no Planalto Central do país, para instalação da nova capital, só teve um início concreto com o Presidente Juscelino Kubitschek, em 1957.

Eu estava ontem vendo a TV, e vi um senhor dando uma entrevista, dizendo que foi a partir de uma pergunta dele a Juscelino, no próprio local da construção de Brasília que houve a determinação do presidente em transformar o antigo projeto em realidade, no primeiro comício realizado por lá, no chão de terra batida da futura Capital Federal. Verdade ou não, os cargos eletivos de importância, levam homens ao poder, com muitas promessas e sonhos. Suas realizações muitas vezes dependem de impulsos momentâneos como este.

Brasília foi um desses sonhos, cujo objetivo, segundo o próprio Juscelino, era um projeto nacional para “liquidar com a sonolência de uma sociedade que parasitava ao longo das praias como caranguejos, ou como se quisesse ir embora”. A partir de 1957, ela começou a tomar forma, e no dia 21 de abril de 1960, ele recebia uma chave simbólica de Brasília, das mãos de Israel Pinheiro.

Eu não acredito que foi Juscelino, isolado, o responsável pela construção de Brasília. Ele foi o líder do processo. Posso dizer que sem ele não teríamos nossa capital pronta em tão pouco tempo, e nem mesmo, se a teríamos um dia. Talvez, sem aquele momento de um homem determinado, ainda estivessémos caranguejando no Rio de Janeiro, explodindo com o Morro do Bumba. Mas, não devemos personalizar demais a História. Cada época gera seus problemas e soluções e eles nos levam por diferentes caminhos. Entretanto, Juscelino será sempre lembrado como o presidente que construiu Brasília, e com isto, levou o Brasil a crescer para aquelas bandas.

Voltando para nossa época, temos um presidente, que vez por outra, se compara a Juscelino. Eu até acredito que pelo inusitado de Lula ser de uma classe social diferente, um ex-operário, tivesse tudo para fazer um grande governo, e repetir, não os 50 anos em 5 do Juscelino, mas o 50 anos anos em 8, no plano social. Não posso dizer que ele não tenha tentado isto. Apesar dos programas sociais alardeados pelo sucesso da inclusão de várias seguimentos de baixa renda ao mercado de consumo, já tivessem começado em governos anteriores, ele fez mais, os ampliou e pode-se dizer que a distribuição de renda no Brasil se tornou mais igual. Mas, a que preço. Com o crescimento do Programa do Bolsa Família, perdeu-se o poder de fiscalização, para levar a criançada a aprender a ler e a escrever, e o que vemos é que a inclusão social se dar pelo lado errado do não incentivo ao trabalho para deixar o Programa. Ele virou moeda de troca eleitoral enquanto o próprio presidente, em declarações desastrosas, leva à louvação do apedeutismo.

E o que hoje se ver? Aos 50 anos de vida, Brasília vai ter sua solenidade de aniversário presidida por um governador indireto e quase com um ex-governador preso por usar o Patrimônio da Humanidade, no qual se transformou a cidade, em benefício próprio. O que espero é que o próximo governo, reformule a vida política da Capital, nos próximos 4 anos. Seu lema deve ser: 50 anos em 4, menos ladrão e mais beleza. De qualquer forma parabéns ao povo de Brasília.

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(*) Texto publicado por mim em 21.04.2010 (aqui), no Blog da CIT. Hoje, 2 anos depois, ainda concordo com tudo que disse e só sinto que lema que propus para o próximo governo não se concretizou. O que restou com lema de governo foi 50 anos em 4, mais ladrão e mais sujeira. (LP)

quinta-feira, 19 de abril de 2012

O aborto dos anencéfalos

Supremo Tribunal Federal



Quando estou apoquentada ou com problemas que me impedem de escrever coisas novas, para não deixar meus leitores com crise de abstinência, eu sempre recorro ao que escrevi, embora tenha vontade, igual ao Fernando Henrique, certa horas, de dizer que “esqueçam o que eu escrevi.

Não é este o caso no momento e quando encontrei um texto meu escrito em 18 de outubro de 2010, para quem não se lembra, quando estávamos no auge da campanha entre o Zé Serra e a Dilma, para as eleições, onde o primeiro foi defenestrado e agora se resignou a acabar com sua vida política, sendo prefeito de São Paulo. Não vou reproduzir o meu texto todo (se quiserem vejam aqui), pois tem muitas coisas que não vem mais ao caso. Reproduzo apenas o seguinte:

O Jodeval aceitou Jesus?

APELO A TODOS OS BRASILEIROS E BRASILEIRAS é o título de um planfeto que foi recolhido de uma gráfica em São Paulo, por ordem do Ministro Henrique Neves do TSE. Abaixo eu reproduzo uma matéria do Reinaldo Azevedo, que alguém parecido com um petista, diz representar o que há de pior no jornalismo brasileiro. Eu não entendo muito de jornalismo. Se entendo um pouco é de liberdade de expressão, de consciência e de crença.

Repito mais do que a Dilma repetiu ontem a frase “no que se refere a...”, ontem no debate que assisti e depois escrevo sobre, que não sou contra o aborto em determinadas circunstâncias. Por isso, a minha Santa Madre Igreja, só falta me colocar na fogueira, e já fui indicada ao inferno muitas vezes. O documento ou panfleto é uma tentativa de condenar aqueles que, como eu, são a favor do aborto, elaborado por um grupo de católicos que tem todo o direito de se manifestar contra, como eu e a Dilma, nos manifestamos a favor (pelo menos antes de sua conversão). Então pode até parecer que estou fazendo propaganda contra as minhas ideias, divulgar panfletos como este. Não, senhores. Eu não aceitei as ideias nele contidas, in totum, mas defendo o direito, até a morte, dentro da lei, dos bispos opinarem.

Aliás, o que estou fazendo, talvez se pareça com o que Jodeval fez ontem ao publicar um texto, de um grupo de cristãos, com o sugestivo título de “Se nos calarmos, até as pedras gritarão!” E não é por isso que o Jodeval aceitou Jesus. Pelo menos, penso que não e desejo que sim. E se foi o seu amor pela Dilma que o fez vir para a fé, só temos a agradecer a Deus por isso, “e num segundo momento” agradecer a Dilma. Mas, eu sei que ele se equilibra nesta questão. Desequilibrado é o meu ateu preferido, o Cleómenes Oliveira.

Vejam que minha implicância com as posições políticas do Jodeval não é de hoje. Mas, naquela época eu não sabia que seria proibida de publicar na A GAZETA por causa delas. O que fazer, se o nosso grande jornalista ainda ama a Dilma, e agora eu sei, ama mais do que o Lupi?

Mas, o motivo da publicação do texto é a questão espinhosa sobre descriminalização do aborto, que eu gostaria, como católica (embora não ovelha) praticante, de dar minha opinião, neste momento em que o STF julgou legal o aborto, no caso de feto anencefálico.

O cerne do problema é quando começa a vida: No ato da concepção ou depois dela, e neste último caso, quando? Se pensarmos bem, e usar um pouco de jocosidade para amenizar a dureza do assunto, penso que há gente, que ainda não começou a viver, mesmo que já tenha mais de 60 anos.

No entanto, temos que ser sérios com o assunto. Sou católica e principalmente cristã e acho que a vida começa na concepção. E tudo que se fizer a partir daí contra o feto, estará mexendo com sua vida. Acredito que é ali que já temos uma alma e que apenas se desenvolverá em seu meio. Então como alguém que pensa assim pode ser a favor do aborto? Eu fico encafifada com isto e devo tornar claras minhas posições.

Primeiro, temos que admitir que a religião é apenas um dos pontos de apoio que devemos ter para decidir sobre nossas vidas e sobre as dos outros. Se não fizermos isto passaremos a defender sempre as guerras santas para impor nossas crenças sobre as dos outros. E por mais que meu confessor já tenha cansado a voz me dando penitência, eu ainda sou a favor do aborto em certos casos.

Segundo, o conhecimento científico avançou tanto que não nos permite mais descrer que hoje, mais do que ontem, se tem condições de descobrir quando uma alma já está realmente pronta para adentrar ao mundo e ser considerada realmente uma vida. Ora, dirão os absolutistas: Uma vida é um vida, é um vida.... Justo, muito justo e até justíssimo. Mas, que vida? Será que alguém sem cérebro realmente terá vida? E voltamos ao ovo...

Terceiro, temos os aspectos legais que envolvem nossa vida em sociedade, e que por definição é mundana, e até Jesus descobriu isto com seu sofrimento para nos salvar. O dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, pode até ser aplicado aqui. Quem deve decidir se a alma de alguém sem cérebro fica com César ou se vai para Deus é a mãe desta alma, e ninguém mais. E nisto a decisão do STF foi sábia.

No entanto, ainda não posso admitir, sob pena de defender o assassinato que este princípio seja generalizado. Não posso admitir que uma mãe, entregue uma vida a Deus, porque não soube se portar diante das coisas de César, e não quer que sua criança sofra ou por outro motivo não considerado e bastante discutido. Mesmo casos legais, onde haja estupro e sua vida corra perigo, ainda há que haver bastante discussão de cada caso.

Quarto, há o problema de que o aborto, no Brasil, se tornou um caso de saúde pública e que é calamitoso principalmente para as classes mais pobres. Neste caso, a solução não é mais descriminalização, e sim mais religião, em geral, e em particular a intervenção de nossos padres e pastores no sentido de resolver os casos específicos, ao invés de ficarem blasfemando contra a escuridão. Muitas vezes o poder do perdão é mais efetivo do que o poder da lei, e, neste caso do aborto, eu fico com o perdão, na maioria dos casos.

O grande problema é que o Estado moderno, da maneira como foi construído, não perdoa. Temos um Estado laico o qual é proibido de pedir perdão. Nós cristãos é que temos a missão divina de nos aproximar do Estado, sem pervertê-lo em sua laicidade , e pedirmos perdão por ele.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Rituais e hábitos - Um pastoril da Democracia




No dia 16 próximo passado encontrei outro texto do Elton Simões (Blog do Noblat), que igual a Luiza (eita história para render!!!) está no Canadá, e ainda não voltou, e ao contrário dela, eu suponho, escreve divinamente. Eu mesma já publiquei outro texto dele (aqui) neste meu humilde blog.

Ele agora fala de eleição e de escolha. Não deu para fazer como fiz da outra vez e publicá-lo sem comentários. Então resolvi mais uma vez imitar o Zezinho de Caetés e seus pastoris, embora nem sempre entre um ato e outro compareça com meu cordão encarnado. Deixo-o cantando sua bela música sozinho, com seu cordão azul.
  
A gente sempre consegue planejar, mas raramente consegue prever. Do ponto de vista emocional, planejar traz conforto, segurança. Do ponto de vista prático planejar nos permite saber onde e como as coisas deram certo, ou errado.

Isto é um fato que sempre notei em minhas atitudes, que apesar de planejar muito, são tantas as vezes que as coisas não dão certo que ficamos imaginando onde erramos. E o que falta realmente para o planejamento dá certo é nossa capacidade de previsão. Por exemplo, se o Lula pudesse ter previsto sua doença, o candidato a prefeito de São Paulo seria a Marta Suplicy, e o Zé Serra ainda estaria brigando com o Aécio para ser candidato a presidente.

De uma maneira ou de outra, acho que o ser humano é incapaz de viver sem ter a ilusão de que ele controla, ou pelo menos influência, seu futuro.

E foi esta ilusão que levou o Lula outra vez a apoiar a CPI do Cachoeira. Depois da doença parece que ele perdeu o faro mesmo. Isto é bom para a oposição se não fosse tão iludida, ao ponto de pensar que a Dilma vai deixar a coisa correr frouxa. E quando falo na Dilma, estou me referindo apenas a boneca de ventríloquo através da qual o Lula fala. Ele não diz mais nada porque deveria admitir que cometeu um erro político, mas, isto mancharia sua reputação como deus.

Talvez para manter essa ilusão, desenvolvemos hábitos e rituais aos quais nos devotamos periodicamente. Hábitos têm caráter prático. Dão-nos previsibilidade. Evitam que a vida se passe em meio a um caos aparente. Ajudam todos os aspectos da vida social e prática.

É por hábito que dizemos bom dia; escovamos os dentes; acordamos na mesma hora; lemos o mesmo jornal; assistimos a um programa na televisão. Os hábitos são aquela força invisível que nos compele a fazer algo regularmente. Sem pensar. Sem refletir. Mas sempre tendo um objetivo prático como objetivo. São ações repetidas desprovidas de significado.

Estes hábitos podem ter até algum significado no início, como a mania do Lula dizer: “nunca antes na história deste país”, e que agora é um hábito. Dizem que pela manhã, junto com os hábitos mais corriqueiros de escovar os dentes, dar bom dia a Marisa Letícia e passar a mão no rosto, hábito que adquiriu depois que a barba caiu, dizer: “nunca antes na história deste país” alguém escovou os dentes tão bem, ou deu um bom dia tão bonito como eu dou.

Outro hábito adquirido nos últimos tempos, inclusive por vários jornalistas e blogueiros é repetir, como o Lupi, diante de um retrato da Dilma: “Dilma, eu te amo”. Tudo é dito sem pensar e sem refletir, mas, tem sempre um objetivo prático, que no caso é não poderem repetir isto diante de um retrato do Lula sem ficarem expostos ao preconceito machista do nossso país.

Rituais, embora também repetidos regularmente, são diferentes de hábitos. Rituais exigem crença, emoção e fé. São os rituais da vida que conferem significado a ela. Eles vestem as ações com o manto das ideias, sentimentos e propósitos.

Perfeito. O meu ritual de ir à missa aos domingos transcende o hábito. Minha emoção nunca é a mesma, mas é sempre crescente ao ouvir o sermão do dia, principalmente quando lá no púlpito há um sacerdote que nos perdoa os pecados mais escabrosos.

O ritual, que soube existe agora no Palácio da Princesas, do Coronel Eduardo reunir todos os secretários, enquanto seu porta-voz lê uma relação de prefeitos que ele quer fazer nos municípios nas próximas eleições, a que todos ouvem com um ar de contrição: Maurício Rands, Antônio Dourado,.... e por aí segue a lista para desespero do João da Costa e do povo de Garanhuns.

É pela busca de significado que rezamos; torcemos pelo clube do coração; comemoramos aniversário, natal e ano novo; almoçamos com a família. É essa coleção de pequenas e grandes ações, cada uma com significado diferente e pessoal, que emprestam sentido à existência. Rituais que nos fazem humanos.

Por exemplo, dizem que antes de sair casa para o trabalho, pelo menos aquelas que já fazem do sair de casa um ritual, as mulheres usam seus espelhos e sempre se perguntam: “Espelho, espelho meu existe alguém mais bonita do que eu?” E quando recebem a resposta de que que existe sim pois a Branca de Neve ainda não morreu, ou que Gisele Budchen  está viva, etc, etc. elas não se importam mais, pois, se a resposta for ao contrário, o ritual acaba no outro dia, e assim suas vidas não terão sentido.

Nada mais triste do que a transformação de ritual em hábito. Quando viver se torna a consequência de ações rotineiras que se repetem mesmo depois terem perdido o sentido. Neste momento, viver e sobreviver se tornam sinônimos.

E o ritual do espelho poderia se tornar um hábito, como dizem que se tornou no caso da nossa presidenta, que de tanto dar porrada no espelho, ele todo dia diz que não há ninguém bonita quanto ela, e que até a Cristina Kirchner morreu, e que a Ângel Merkel, nunca foi páreo para ela. Mas isto tem um preço. O ritual tornou-se um hábito e perdeu o significado. Agora ela não fez nem questão de encontrar a Michele Obama.

Na democracia, a eleição deve sempre ser um ritual. Quando a eleição é um ritual, votar é um exercício de liberdade. É a expressão dos desejos e anseios da sociedade. É a possibilidade e a responsabilidade de escolher e influenciar o futuro e se tornar parte das soluções ou dos problemas.

Entretanto, quando a democracia não funciona, eleições se tornam um hábito desprovido de significado. A democracia fica esvaziada de sentido. Eleições viram uma sucessão de gestos e palavras vazias periodicamente repetidas. Apenas um passo fútil, sem direção e sem sentido. Votar vira um fetiche.

Democracia é para aqueles que buscam sentido em suas ações. Eleição é ritual. Votar é para quem fez a escolha pela vida e não somente pela sobrevivência.

Com este desempenho do cordão azul é muito difícil competir. No entanto, como o deixei começar, eu termino. E o faço dizendo que quase estamos transformando nosso ritual democrático num hábito da pior espécie, onde a rotatividade do poder foi freada pela matreirice do governo petista, que quer, como num grande ritual, transformar nossa pluralidade democrática num samba de uma nota só, e da pior qualidade no mundo da música, como o são os sistemas de partido único, ao longo da história.

Não há como não tentar transformar em ritual nossa oposição sistemática ao que esta aí, sem transformar isto num hábito banal.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Cachoeira dá as cartas




Por Mary Zaidan (*)

O bicheiro Carlos Cachoeira, meliante conhecido, pródigo em distribuir e colher benefícios suspeitos entre gente de todos os partidos políticos e em todas as searas da República, é mesmo fenomenal. Um gênio.

Encarcerado em Mossoró desde o dia 29 de fevereiro, é ele, e ninguém mais, quem dá as cartas, muitas delas distribuídas, prévia e cuidadosamente, nos vazamentos a conta-gotas das escutas da Polícia Federal sobre a operação Monte Carlo.

Com uma rede vasta que vai do DEM ao PC do B, do PSDB ao PT, Cachoeira conhece o seu poder de fogo. Sabe o quanto vale uma única palavra sua, seja para inocentar ou afogar de vez alguém no lamaçal mais profundo.

Safo, até então não deu um pio. Talvez fale para quem der mais. A conferir.

Bandido de altas esferas, Cachoeira tem nada menos do que o ex-ministro da Justiça de Lula, Márcio Thomaz Bastos, respondendo por sua defesa. Ao custo de R$ 15 milhões.

O mesmo Thomaz Bastos que aconselhou o ex-ministro Palocci no episódio da quebra de sigilo do caseiro Francenildo. Que orientou a defesa do então assessor do ministro José Dirceu, Waldomiro Diniz, flagrado negociando propina de R$ 100 mil de ninguém menos do que Carlinhos Cachoeira. O mesmo Thomaz Bastos que defende mensaleiros.

Ou seja: quando a dor ultrapassa o calo e pode comprometer o corpo e a alma, ele, Thomaz Bastos, é chamado. E assim foi. De novo.

A contratação do ex-ministro é simbólica. Tem a rubrica de Lula e do PT, que tudo fazem para tentar se aproveitar do escândalo Cachoeira e, a partir dele, misturar todo o joio e o pouco trigo para amenizar o do mensalão, prestes a ser julgado pelo STF.

Acreditam ser possível demonizar a “direita” - encarnada no senador Demóstenes Torres (ex-DEM), uma personalidade que desafia até a psiquiatria de ponta -, e encrencar os tucanos, pelas ligações perigosas do governador de Goiás Marconi Perillo, o mesmo que avisou Lula sobre a existência do mensalão, muito antes de o esquema vir à tona.

Com instruções e aval do ex-presidente, o PT se movimenta. E sem qualquer constrangimento em rifar o governador do Distrito Federal Agnelo Queiroz, petista novato. Que se dane perdê-lo se em jogo está purgar os males de Dirceus, Delúbios, João Cunhas.

Cachoeira continua entre grades. Há muitos que apostam que é possível monitorar danos enquanto Thomaz Bastos segurá-lo. Mas como bandidos não são confiáveis – os que depuseram confirmando recebimento de boladas mensais para votar com o governo Lula são prova disso -, há alguma luz no fim do túnel.

Triste país este, que depende da palavra de malfeitores para lavar a sua honra.

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(*) Publicado no Blog do Noblat em 15.04.2012. E depois da Mary, eu já vi notícias que o PT quer correr da CPI, pois não colou a ideias de associá-la ao mensalão a favor do partido. Já dizem que a cachoeira está tão poluída que Lula, recém saído de um câncer na garganta, está com medo de ser obrigado a beber desta água (LP).

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Garanhuns: Coxinhas e empadinhas douradas




Ontem escrevi um pequeno recado no Mural da AGD sobre um texto que o Zé Carlos publicou lá (aqui), no qual ele escreve sobre os fatos da semana que passou, e, bem sutilmente, tocou num problema que acompanhei até no noticiário internacional. Era a história de canibalismo em Garanhuns.

Esta é uma história de arrepiar. Para não dizer que o fato ficou circunscrito à mídia local, eu nem vou citar os blogs do Roberto Almeida, do Wagner Marques, do Ronaldo César e outros que abordaram o acontecido de vários ângulos. O resumo desta horrível ópera pode ser visto num texto do Carlos Madeiro, que é de Maceió, mas publicou no UOL que é um site de projeção nacional e internacional:

“A Polícia Civil de Pernambuco informou que uma das três pessoas acusadas de matar e praticar canibalismo em Garanhuns (230 km do Recife) recheava empadas com carne humana e as vendia nas ruas da cidade. A revelação foi feita ao UOL nesta sexta-feira (13) pelo delegado Wesley Fernandes, que está à frente do inquérito que investiga a seita e os supostos crimes praticados pelos acusados, que foram detidos na última quarta-feira (11). Pelo menos três mortes em rituais macabros são atribuídas ao grupo, que mantinha um triângulo amoroso.”

Meu Jesus! Chega me arrepiar ao pensar nestes detalhes sórdidos. E quando isto acontece, nós jornalistas (eu estou me achando, hoje), não podemos fugir da raia. Mas, também, não podemos tratar o caso com tanta frieza e objetividade, comportando-nos como os “idiotas dela”, como falava o Nelson Rodrigues. Para evitar maiores constrangimentos, não há como não apelar para alguns pontos de humor (embora um pouco escuro) do fato relatado.

Uma das consequências que vejo para o fato é um queda enorme na procura das iguarias mencionadas, na terra de Simoa Gomes e adjacências. Mesmo em Bom Conselho, se a notícia se espalhou como se espera, vai ser difícil para os produtores de coxinhas e empadinhas sobreviverem.

Eu já posso imaginar alguns diálogos entre os produtores de festas infantis e até entre os políticos que adoram oferecer coquetéis e acepipes nesta época de eleição.

- Olhe Doutor, nós temos as melhores coxinhas da região, e nossas empadinhas são as mais crocantes do mercado.

- Hummm!!!

- Não se preocupe, Doutor, pois o recheio é de primeira qualidade, e nunca sobrou uma, em nossas festas.

- Hummm!!!

- Basta dizer Doutor, que, elas são produzidas em Garanhuns, na Pastelaria Suiça. Coisa de primeira, Doutor!

- Não estou mais interessado. Próximo!!!

- Pois não Doutor!

- De onde veem suas coxinhas e empadinhas?!

- São produzidas aqui mesmo e são as melhores, Doutor!

- Tem algum ingrediente comprado em Garanhuns?

- Só o recheio, Doutor!

- Próximo!!!!

E olhe que isto foi em Bom Conselho. Em Garanhuns já dizem que coxinhas e empadinhas só serão servidas num coquetel que os políticos de lá vão oferecer ao governador do Estado quando ele vier oficializar a candidatura do Dourado.

Será que vai alguém?! Tenho certeza que sim e se empanturrarão dos acepipes, pois pior foi engolir o sapo dourado e este parece que já foi digerido faz tempo. Eu não sei, é, se os blogueiros comparecerão, e se o fizerem, degustarão os salgadinhos. Fico aguardando notícias.

sábado, 14 de abril de 2012

SEM AMAR, NEM ODIAR




Por Nelson Rodrigues (*)

O brasileiro é um feriado. Vi isso, anteontem, e de repente. Era uma terça-feira e — note-se — o primeiro dia útil depois de sexta, sábado, domingo e segunda de Natal. Imaginei que, exausto da própria ociosidade, o brasileiro estivesse no escritório, na oficina ou na pedreira, fazendo a sua pátria. O meu táxi ainda deslizava pela rua Francisco Sá. E eu já via, com olhos da imaginação, uma praia deserta, sem uma mísera alma ou de calção ou de biquíni.

Todavia, quando dobro para a avenida Atlântica, eis o que vejo: do Forte de Copacabana ao Vigia, era uma só multidão que daria para lotar várias vezes o maior Fla-Flu. Por um momento, eu, na mais amarga perplexidade, não sabia o que pensar. Eram os mesmos umbigos paradisíacos da véspera, e de todas as vésperas. Essa nudez multiplicada deu-me o que pensar. Foi aí que descobri esta verdade nacional: — o brasileiro é um feriado, temos alma de feriado.
Até a dobra do Leme tive tempo de propor a mim mesmo a seguinte questão: — “Se o brasileiro não sai da praia, quem faz o Brasil?”. Mas vejam vocês: não era bem isso que eu queria dizer. Ia falar de Adolpho Bloch e não dos umbigos em flor. Imaginem que o homem da Manchete fez uma recente viagem à Rússia. Andou por lá, olhou, olhou e voltou correndo para o Brasil. Desembarca ali no Galeão, e é assaltado por amigos, conhecidos e parentes. Todos perguntavam: — “Que tal? Que tal?”. Mas Adolpho Bloch fez mistério, fez suspense. Só falou quando, finalmente, entrou no seu apartamento de mármore. E, então, fez esta síntese fulminante: — “O russo ainda come três pepinos por dia”. Os presentes se entreolharam, num mudo horror. Adolfo repetiu: — “Três pepinos”.

Foi então que o Paschoal Carlos Magno que, num canto, ouvia tudo, abriu a boca: — “Hoje, o russo come três pepinos. No tempo do czar, comia um”. E assim, segundo o Adolpho de um lado e o Paschoal de outro, o papel da Grande Revolução foi acrescentar, no prato do povo, mais dois pepinos.

Eis o que eu queria dizer: quando veio, garoto, da própria Rússia, não sei se o Adolpho teria um pepino para lamber. No tempo em que eu morava na rua Alegre, ele ia residir, com a família, em Pereira Nunes, no limite de Aldeia Campista com Andaraí. Nem sempre, naquele tempo, tínhamos um pepino para comer. Hoje, as varandas do seu apartamento pendem sobre a piscina do Copacabana Palace.

Mas o menino de Pereira Nunes continua enterrado na sua carne. O velho Adolpho toma banho numa piscina de Paulina Bonaparte; a pia onde escova os dentes tem bica de ouro. Não importa, nada importa. O menino está encravado na sua vida. E, ainda hoje, milionário, sua voz tem uma pungência, uma plangência insuportáveis. Sim, por vezes, usa uma humildade crispada de certos mendigos patéticos. E a vontade que se tem é de pingar-lhe, no pires imaginário, a moeda da nossa esmola.

As nossas fomes eram paralelas, eram vizinhas. Lembro-me de um garoto louro, sardento, que vi muitas vezes em Pereira Nunes. Talvez fosse, ou não, Adolpho Bloch. Seja como for, não nos falamos nunca. Não vou dramatizar, mas existe entre nós o vínculo físico da fome.

Já contei o episódio da merenda no pátio da escola pública. Eu, com uma mísera e humilhadíssima banana (nem sempre a levava) e outros com sanduíches de goiabada, de bife, de ovo. O que então me fascinava era pão com ovo. Havia, lá, um garoto que não mudava de merenda. E a trazia embrulhada em papel fino. Sem pressa desfazia o nó, atirava fora o barbante, o papel e, então, começava a comer. Pão com ovo, sempre. A gema escorria-lhe como baba amarela.

Quase meio século depois, entro em casa. Beijo Lúcia e digo à empregada: — “Manda fazer sanduíche de pão com ovo”. Lúcia intervém: — “Não faz não, que nós vamos jantar”. Insisto: — “Meu anjo, quero pão com ovo. Estou com vontade. Cismei”. Pouco depois, tirou-se o jantar. Mas eu comi mesmo pão com ovo. Lúcia não entendeu, nem podia entender. Eu fazia, ali, uma maravilhosa imitação de vida. De repente, baixara em mim a fome de 1919. Era, de novo, o pátio de colégio. Lúcia diz: — “Meu filho, limpa no queixo”. Era a gema que escorria. Tudo como na infância profunda. Ah, um dos meus traumas infantis foi um sanduíche.

Eu entendo o ressentimento do Adolpho Bloch contra os três pepinos da Revolução. É a velha fome que se crispa como uma víbora. Aí está: ela não passa e repito: — a fome não passa, nunca. Outro dia, Adolpho Bloch passou por mim. Paramos no sinal, lado a lado, eu no meu táxi, ele no seu carro. O seu automóvel nunca parece o mesmo da véspera. É como se ele comprasse um por dia. Se me disserem que seu carro tem uma cascata artificial, com filhote de jacaré, eu direi: — “Tem”.

Senti, ao mesmo tempo, que o luxo não o mudou em nada. O apartamento de mármore, a bica de ouro, o automóvel suntuário — tudo isso é, para ele, irreal, eis a palavra, irreal. Nada substitui a fome pretérita, mas inarredável. Janta ou almoça como um Nero. E o menino esfomeado continua gemendo mansamente dentro dele.

Mas eu dizia que a fome não passou para Adolpho Bloch, nem para mim. Na infância, ainda conheci uma fome relativa. Havia um mínimo para comer (eu me vejo comendo mariola. Ou melhor: não a mastigava.

Simplesmente, lambia a mariola, para eternizá-la. Levava assim horas). Mas, de 30 a 35, conheci a grande fome. Às vezes, entrava num botequim e pedia: — “Me dá um copo de água, por obséquio”. Não estava bebendo, estava comendo água.

Nesse período, de 30 a 35 (nosso jornal fora empastelado em 30), eu aprendi o seguinte: — o sujeito que não come não se revolta. É a verdade: — não se revolta. Fui a menos indignada das fomes. Eu me sentia inteiramente desfibrado. Certa vez, aconteceu uma que me feriu para sempre. Vinha eu pela rua dos Ourives e olhei acidentalmente para um casal. O rapaz perguntou insolentíssímo: — “Que é que está olhando?”. Baixei a cabeça e apressei o passo. Mas ia pensando: — “Se ele me der um bofetão, eu não reajo”. Naquela ocasião, não tinha emprego, não tinha nada. E certos pundonores, certos brios exigem um salário e as três refeições. Aprendi mais: a fome não odeia nem ama. Se me aparecesse a Ava Gardner, de Salomé, eu continuaria incomovível. Durante esses cinco anos, não namorei. Fui incapaz de um sentimento forte. A fome esvaziou-me; e eu me sentia oco, sem entranhas, como um autopsiado.

[28/12/1967]

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(*) Publicado em 1993 pela Editora Companhia de Letras. Quando não escrevo deixo-lhes com grandes escritores, para vocês não se viciarem na péssima, que sou eu. Só quero acrescentra que hoje, em Cuba só se come meio pepino. (LP)