segunda-feira, 7 de maio de 2012

Nós, que resistimos aos celulares





Por Luis Fernando Veríssimo (*)

Não sucumbi ao telefone celular. Não tenho e nunca terei um telefone celular. Quando preciso usar um, uso o da minha mulher. Mas segurando-o como se fosse um grande inseto, possivelmente venenoso, desconhecido da minha tribo.

Eu não saberia escolher a musiquinha que o identifica. Aquela que, quando toca, a pessoa diz “é o meu!”, e passa a procurá-lo freneticamente, depois o coloca no ouvido, diz “alô” várias vezes, aperta botões errado, desiste e desliga, para repetir toda a função quando a musiquinha toca outra vez.

Não sei, a gente escolhe a musiquinha quando compra o celular?

— Tem aí um Beethoven?

— Não. Mas temos as quatro estações do Vivaldi.

— Manda a primavera.

Porque a musiquinha do seu celular também identifica você. Há uma enorme diferença entre uma pessoa cujo celular toca, digamos, “Take five“ e uma cujo celular toca Wagner. Você muitas vezes só sabe com quem realmente está quando ouve o seu celular tocar, e o som do seu celular diz mais a seu respeito do que você imagina.

Se bem que, na minha experiência, a maioria das pessoas escolhe músicas galopantes — como a introdução da “Cavalleria rusticana” ou a ouverture do “Guilherme Tell” — apenas para já colocá-la no adequado espírito de urgência, ou pânico controlado, que o celular exige.

Sei que alguns celulares ronronam e vibram, discretamente, em vez de desandarem a chamar seus donos com música. Infelizmente, os donos nem sempre mostram a mesma discrição.

Não é raro você ser obrigado a ouvir alguém tratando de detalhes da sua intimidade ou dos furúnculos da tia Djalmira a céu aberto, por assim dizer.

É como o que nos fazem os fumantes, só que em vez do nosso espaço aéreo ser invadido por fumaça indesejada, é invadido pela vida alheia. Que também pode ser tóxica.

Não dá para negar que o celular é útil, mas no caso a própria utilidade é angustiante. O celular reduziu as pessoas a apenas extremos opostos de uma conexão, pontos soltos no ar, sem contato com o chão. Onde você se encontra tornou-se irrelevante, o que significa que em breve ninguém mais vai se encontrar.

E a palavra “incomunicável” perdeu o sentido. Estar longe de qualquer telefone não é mais um sonho realizável de sossego e privacidade — o telefone foi atrás.

Não tenho a menor ideia de como funciona o besouro maldito. E chega um momento em que cada nova perplexidade com ele torna-se uma ofensa pessoal, ainda mais para quem ainda não entendeu bem como funciona torneira.

Ouvi dizer que o celular destrói o cérebro aos poucos. Nos vejo — os que não sucumbiram, os últimos resistentes — como os únicos sãos num mundo imbecilizado pelo micro-ondas de ouvido, com os quais as pessoas trocarão grunhidos pré-históricos, incapazes de um raciocínio ou de uma frase completa, mas ainda conectados. Seremos poucos mas nos manteremos unidos, e trocaremos informações. Usando sinais de fumaça.

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(*) Publicado no Blog do Noblat em  03.05.2012. Eu, durante um tempo resisti ao celular, e igual a Veríssimo, o achava um besouro com pernas. Mas, a vida moderna sem ele, só para os solitários que não lidam com filhos e netos, o que não sei é o caso dele. O que ainda resisto são às suas outras funções além de ser um telefone. Atualmente, penso eu, tem até cozinha dentro deles, e se pedirmos um pizza ela poderá sair pelo buraquinho do microfone.

Semana passada fui à AGD, em sua coluna Deu nos Blogs ou Notícias, não me lembro,  e encontrei um texto do qual reproduzo uma parte que me levou ainda ter mais receio de ficar com o celular, como meus filhos já ficam, e tenho certeza que um deles já sofre da doença da qual o texto fala. Leia e meditem:

“Nomofobia é uma “doença digital” que começa com a angústia ante a ideia de perder o telefone celular ou de ser incapaz de ficar sem ele por mais de um dia e termina com as pessoas se sentindo rejeitadas quando o telefone toca pouco e passam mesmo por crises de abstinência quando estão sem o aparelho.

É claro que a nomofobia (do inglês “no mobile phobia”) não tem origem no celular propriamente dito, mas sim em outros transtornos mentais, como ansiedade e depressão. Não obstante, os números que surgem a todo dia dão conta de uma verdadeira epidemia global.

Segundo uma pesquisa realizada em março na França pela empresa Mingle, aproximadamente 22% dos franceses dizem ser “impossível” ficar por mais de um dia sem usar o celular. Entre jovens com idades entre 15 e 19 anos a proporção chega a 35%. E foi uma empresa francesa de pesquisa, a Ipsos, que realizou uma pesquisa com mil brasileiros e constatou que 18% de nós somos dependentes de celular.

Mas é no Reino Unido onde a situação parece mais alarmante. Uma pesquisa realizada pela empresa de soluções de segurança SecurEnvoy revelou que 66% dos britânicos se dizem “muito angustiados” com a ideia de perder seu celular. A proporção chega a 76% nos jovens entre 18 e 24 anos de idade.”

Sem o brilho literário do artigo que abre esta postagem eu só poderia terminar olhando para o meu celular e dizendo: Cruzes!!! (LP)

Um comentário:

  1. ESSA NOSSA VIDA TORNOU-SE NUM DILEMA: QUEM USA CELULAR VAI MORRER COM UM TUMOR NO CEREBELO E, QUEM BEBE CANA?!?!?!

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