quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A vitória do fascismo



Por Olavo de Carvalho (*)

Tom Jobim dizia que no Brasil o sucesso é um insulto pessoal. Sem querer, explicava assim a ampla aceitação da ideologia socialista entre nós. Para o cidadão normal de uma democracia, o êxito de quem quer que seja é resultado do talento e da sorte. Para frustrados e invejosos embriagados de mitologia socialista, é o efeito de uma planificação maligna das classes dominantes, o produto diabólico de uma máquina de exclusão social inventada e controlada por astutos engenheiros sociais burgueses.

Na imaginação socialista, os capitalistas não fazem outra coisa senão reunir-se na calada da noite para premeditar a ruína dos pobres. Para isso, criam todo um aparato ideológico de “reprodução” dos padrões sociais existentes, contratando intelectuais e técnicos para estudar meios de não deixar mais ninguém subir na vida.

O capitalismo, nesse sentido, é uma sociedade administrada, um mecanismo racional calculado nos seus mínimos detalhes para bloquear o progresso social.

Só que, após ter descrito e acusado essa máquina com requintes de análise corrosiva, no instante seguinte o socialista aparece condenando a “anarquia do mercado” e fazendo a apologia da economia planejada como solução para todos os males...

Já tenho me perguntado como é possível uma criatura mudar de discurso tão radicalmente, sem nem perceber que se contradiz. Cinismo ou inconsciência? Maquiavelismo ou burrice?

Observem a rigidez da disciplina no PT ou no MST, e obterão a resposta. O militante socialista ou comunista sacrifica tudo à hierarquia partidária, mesmo a moralidade, mesmo as exigências mais íntimas da consciência pessoal. É natural que projete essa conduta sobre a fisionomia do inimigo, concebendo-a à sua própria imagem e semelhança. Mas toda fantasia projetiva é necessariamente paradoxal, é ao mesmo tempo direta e inversa. De um lado, o capitalismo aparecerá aos olhos do socialista como uma hierarquia maquinal análoga à do seu partido, apenas com signo ideológico oposto. De outro, a atmosfera partidária, com aquele seu unanimismo que dá a cada um dos militantes um sentimento tão vivo de participação, de proteção mútua, de “comunidade solidária”, é vivenciada como o embrião de sociedade ideal, em contraste com a qual a realidade do capitalismo aparecerá como pura confusão e lei da selva.

Basta olhar o capitalismo diretamente, sem o viés projetivo da disciplina socialista, para ver que ele não é nem uma coisa nem a outra, mas apenas a integração de várias premeditações parciais -- os cálculos dos vários interesses privados -- num ambiente geral frouxamente atado pelas regras da convivência democrática.

Mas a idéia mesma de “regra” tem sentido diferente para socialistas e capitalistas. Numa democracia capitalista, as regras do jogo são fixas, ao passo que as finalidades gerais do esforço social vão mudando conforme as inclinações da opinião pública a cada momento. Numa sociedade socialista -- ou nos partidos que lutam por ela --, é o contrário: as finalidades são constantes, cristalizadas no símbolo utópico do “ideal”, e as regras do jogo é que mudam segundo as conveniências estratégicas e táticas vislumbradas pelos líderes em cada etapa da luta.

Por isso é tão difícil um socialista compreender o capitalismo quando um homem formado nas regras do capitalismo entender a mentalidade socialista. Esta último tentará explicar a conduta socialista pela racionalidade de interesses econômicos, acreditando que tais ou quais vantagens obtidas no caminho aplacarão os ódios e as ambições da militância enragée. O segundo enxergará o capitalismo por meio de uma grade de fantasias projetivas macabras, e acabará acusando a classe burguesa de ser ao mesmo tempo uma maçonaria racionalmente organizada para saquear o mundo e um aglomerado caótico de egoísmos incapazes de organizar-se.

Não espanta que toda tentativa de fusão entre capitalismo e socialismo resulte numa contradição ainda mais funda: quando os socialistas desistem da estatização integral dos meios de produção e os capitalistas aceitam o princípio do controle estatal, o resultado, hoje em dia, chama-se “terceira via”. Mas é, sem tirar nem pôr, economia fascista. De um lado, burgueses cada vez mais ricos, mas -- como dizia Hitler -- “de joelhos ante o Estado”. De outro, um povo cada vez mais garantido em matéria de alimentação, saúde, habitação, etc., mas rigidamente escravizado ao controle estatal da vida privada.

Também não espanta que os socialistas, não entendendo o capitalismo, procurem descrevê-lo com a fisionomia hedionda do fascismo, que, por afinidade, entendem perfeitamente bem. E muito menos espanta que, abominando então o capitalismo como uma espécie de fascismo, acabem sempre lutando em favor de reformas econômicas e políticas que o transformarão exatamente nisso. Como a economia socialista em sentido integral é inviável, como nunca se chega lá, e como por outro lado os burgueses raramente têm fibra para resistir à investida socialista contra o liberal-capitalismo, o resultado é sempre o mesmo: a vitória do fascismo.

A única diferença entre as economias fascistas dos anos 30 e a de agora é que aquelas eram de escala nacional e, para impor-se, recorreram muito logicamente a um discurso carregado de mitologia patrioteira e racista. A de hoje é mundial, devendo portanto usar de pretextos simbólicos que, ao contrário, sirvam para dissolver as identidades nacionais e os valores morais e religiosos a elas associados. Daí o pacifismo, o feminismo, o multiculturalismo, o desarmamentismo civil, o casamento gay, etc. Ideologia, já definia o velho Karl Marx, é um “vestido de idéias” em torno de objetivos que nada têm a ver com idéias. Hitler confessava, em privado, não acreditar nem um pouco na discurseira racista que usava para infundir nos alemães um sentimento de ódio travestido de amor à justiça. Os próceres do globalismo progressista também não acreditam no besteirol politicamente correto que injetam nas massas de militantes idiotizados. Tanto quanto o comunismo e o fascismo de velho estilo, o “socialismo democrático” ou “terceira via” de hoje é um compactado de maus sentimentos numa embalagem de belas palavras.

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(*) Publicado no livro “O mínimo que se precisa saber para não ser um idiota”, da Editora Record (originalmente) em 2001. E aqui termina (pelo menos neste tema)  este festival Olavo Carvalho, onde o transcrevemos, na certeza de que, se o lerem, pelo menos ficarão com uma pulga atrás da orelha, quando ao socialismo e com um elefante na cabeça quanto ao que significa o Socialismo de XXI, que é apenas um eufemismo para a cubanização da América Latina, agora em marcha batida pela manutenção do PT no poder. Se há alguma mensagem útil neste festival é: NÃO DEIXEMOS! Vamos divulgar e esperar que nas urnas e com toda liberdade e sem mentiras, possamos dar o troco. (LP)

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