quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Lógica da canalhice



 Por Olavo de Carvalho (*)

Quando alguém me diz que o comunismo é coisa do passado, que advertir contra ele é açoitar um cavalo morto, tenho às vezes uma certa suspeita de estar conversando com um canalha. Não que o sujeito o seja necessariamente. Mas, a rigor, somente um canalha descontaria 1,2 bilhão de pessoas que ainda vivem sob a tirania comunista como uma quantidade negligenciável, um infinitesimal no infinito. Somente um canalha desprezaria como irrelevantes os 40 fuzilamentos mensais de mulheres chinesas (e seus respectivos médicos) que se recusam a praticar aborto. Somente um canalha se persuadiria de que, só porque meia dúzia de firmas americanas estão ganhando dinheiro em Pequim (como se já não tivessem faturado outro tanto na Rússia de Lenin), o comunismo se tornou inofensivo como um rinoceronte de pano. Somente um canalha fingiria ignorar que, após a dissolução da URSS, nenhum torcionário da KGB foi demitido, muito menos punido, e que a maior máquina de espionagem, polícia política, terror estatal e tortura institucionalizada que já existiu no universo, com um orçamento superior ao de todos os serviços secretos ocidentais somados, continua funcionando como se nada tivesse acontecido.

Somente um canalha induziria o povo a ignorar essas coisas, para que, quando a revolução que se prepara no Brasil com dinheiro do narcotráfico tomar o poder, ninguém perceba estar revivendo a tragédia da Rússia, da China e de Cuba.

Pois não é preciso ir para o exterior, basta olhar para o Brasil mesmo para ver a força monstruosa que o movimento comunista, seja lá com que nome for - pois ao longo da história ele mudou de nome muitas vezes, ao sabor de seus interesses do momento - vem adquirindo a cada dia que passa. Só para dar um exemplo, a difusão de idéias comunistas nas escolas, da qual muitos brasileiros ainda nem tomaram consciência, e que outros insistem em ignorar propositadamente (entre eles o ministro da Educação), já passou da fase de simples "doutrinação" para a do direto e franco estupro das consciências. Em milhares de escolas oficiais, professores pagos com dinheiro público usam de sua influência e de seu poder não apenas para instaurar o culto de líderes genocidas e o mito da democracia socialista, mas para intimidar e punir qualquer criança que não consinta em repetir seu discurso magistral. A mais leve divergência, às vezes a simples dúvida, sujeitam o aluno ao constrangimento diante dos colegas, incutindo nele o temor pelo futuro da sua carreira escolar e profissional. Meus próprios filhos passaram por isso, e recebo mensalmente dezenas de e-mails com relatos de situações similares. Chamar a isso "propaganda", "doutrinação", é brandura terminológica de quem não quer ver a gravidade do que se passa. E o que se passa é que o terrorismo psicológico já impôs seu domínio sobre os corações infantis, preparando-os para aceitar, como coisa normal, inevitável e até boa, um governo de assassinos e psicopatas como aquele que ainda vigora em Cuba e que já vigora nas regiões sob o domínio das Farc.

Em face disso, os brasileiros reagem... encobrindo fatos com palavras, amortecendo a consciência do perigo mediante chavões soporíferos, exibindo aquele ar de calma fingida que trai o medo, o pavor de encarar a realidade. Direi que isso é ingenuidade? Não. A ingenuidade não tem a astúcia verbal requerida para tamanho auto-engano.

Um leitor, todo empombado de falsa ciência, me escreve que o comunismo não foi mais violento do que as guerras de religião, o Santo Ofício, a queima de bruxas ou a Noite de S. Bartolomeu. Com aquele ar sabe-tudo de professorzinho de ginásio, cita o horror de Montaigne ante a crueldade das guerras civis de seu tempo e conclui que "a violência sempre esteve presente nas diferentes fases da história". Nada como uma frase-feita para um brasileiro brilhar falando do que não sabe. Nada como um belo chavão para igualar, numa pasta verbal uniforme, as mais prodigiosas diferenças. A Inquisição espanhola, o tribunal mais cruel de que se teve notícia antes do século XX, matou 20 mil pessoas ao longo de quatro séculos. O governo leninista completou cifra idêntica em poucas semanas. Ademais, quase todos os exemplos de crueldade em massa observados ao longo da história se deram por ocasião de guerras, seja entre estados, tribos ou grupos religiosos. A repressão soviética foi o primeiro caso de violência estatal permanente contra cidadãos desarmados, em tempo de paz. O exemplo proliferou. Quando os alemães começaram a enviar judeus a Auschwitz, 20 milhões de russos já tinham sido mortos pelo governo soviético. Mesmo ao término da sua obra macabra, em 1945, o nazismo, com toda a máquina genocida montada para esse fim, não tinha conseguido igualar a produtividade da indústria soviética da morte.

Sob qualquer aspecto que se examine, o socialismo não é de maneira alguma uma idéia decente, que se possa discutir tranqüilamente como alternativa viável para um país, ou que se possa, sem crime de pedofilia intelectual, incutir em crianças nas escolas. É uma doutrina hedionda, macabra, nem um pouco melhor que a ideologia nazista, e que, para cúmulo de cinismo, ainda ousa falar grosso, em nome da moral, quando condena os excessos e violências, incomparavelmente menores, que seus adversários cometeram no afã de deter sua marcha homicida de devoradora de povos e continentes.

Tão logo aceitamos a lógica infernal da sua propaganda, obscurecemos nossa inteligência, perdemos o senso da verdade e o senso das proporções. Perdemos até o senso do antes e do depois. Incutem-nos, por exemplo, a noção de que a guerrilha brasileira foi a única saída que lhes foi deixada pelo governo repressor que, em 31 de março de 1964, fechou todas as portas à oposição legal. Mas como pode ter sido isso, se a guerrilha começou em 1961, sempre dirigida e financiada desde Cuba? Dizem-nos que a "Operação Condor" foi uma conspiração internacional entre ditaduras, para sufocar movimentos pacíficos e democráticos. Mas como pode ter sido isso, se a tal operação só surgiu tardiamente, em resposta ao movimento armado tricontinental, dirigido desde Havana e financiado com dinheiro soviético? Mediante as lições dos mestres socialistas, desaprendemos até o senso instintivo da ordem temporal dos fatos.

Acreditar nessa gente, ainda que por breves instantes, é desmantelar o próprio cérebro, é destruir em nossas almas a capacidade para as distinções mais elementares e auto-evidentes. Por isso já não tenho mais paciência com pessoas que consentem que seus filhos sejam submetidos a esse tipo de estupidificação. Por um tempo, imaginei que fossem apenas idiotas, covardes ou preguiçosos. Mas a idiotice, a covardia e a preguiça têm limites: ultrapassado um certo ponto, transformam-se na modalidade mais requintada e sutil de canalhice.

----------

(*) Publicado no livro “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, da Editora Record (originalmente) em 2001. Sem comentários. (LP)

Nenhum comentário:

Postar um comentário