Por Olavo de Carvalho (*)
Qualificar assim a luta entre capitalismo e socialismo é um
vício de linguagem
Se você quer avaliar a extensão do domínio hipnótico que os
cacoetes marxistas ainda exercem sobre o sistema neuronal de pessoas que se
supõem imunes a qualquer contaminação de marxismo, basta ver que estas, quando
argumentam em favor do capitalismo, admitem colar na própria testa o rótulo de
defensores de uma determinada "ideologia".
Uma ideologia é, por definição, um simulacro de teoria
científica. É, segundo a correta expressão do próprio Marx, um "vestido de
idéias" que encobre interesses ou desejos. Ao aceitar definir-se na
linguagem de seu adversário, o liberal moderno assume o papel que ele lhe
impõe: confessa-se porta-voz dos interesses dos ricos. Que a confissão seja
falsa não a torna menos eficaz. Transferida do confronto objetivo das doutrinas
para o terreno da concorrência de interesses, a luta parece opor agora o
explorado ao explorador. Por elegante que seja a argumentação deste último, ele
estará condenado a personificar sempre o malvado da história.
Descrever o confronto entre capitalismo e socialismo como
"luta de ideologias" é aceitar um jogo viciado, no qual um dos lados
dita as regras, dá as cartas e predetermina o desenlace.
O capitalismo não é uma ideologia. É um sistema econômico
que existiu e provou suas virtudes desde dois séculos antes que alguém se
lembrasse de formulá-lo em palavras. E o primeiro que esboça essa formulação,
Adam Smith, não é de maneira alguma um ideólogo, um inventor de símbolos
retóricos para construir futuros no ar em favor de tais ou quais ambições de
classe. É um homem de ciência em toda a extensão do termo, esboçando hipóteses
para descrever e explicar uma realidade existente. O socialismo, em
contrapartida, milênios antes de existir sequer como estratégia política
concreta já tinha seus ideólogos, seus embelezadores de enganos, seus
estilistas de interesses de grupos ressentidos e ambiciosos. Por isso, o
confronto de socialistas e liberais não opõe ideologia a ideologia: a defesa do
socialismo é sempre a auto-atribuição ideológica dos méritos imaginários de um
futuro possível, a do capitalismo é sempre a análise científica de processos
econômicos existentes e dos meios objetivos de aumentar sua eficiência.
Malgrado tudo quanto se possa alegar contra ele sob outros aspectos (e eu mesmo
não tenho deixado de alegá-lo), o capitalismo não somente gerou riquezas
incalculáveis, mas pôs em ação os meios práticos de distribuí-las ao povo e
criou instituições como a democracia parlamentar, a liberdade de imprensa, os
direitos humanos, ao passo que o socialismo só o que fez até hoje foi prometer
um futuro melhor ao mesmo tempo que reintroduzia o trabalho escravo banido pelo
capitalismo, suprimia todos os direitos civis e políticos conhecidos, reduzia
mais de 1 bilhão de pessoas a uma angustiante miséria e, para se sustentar no
poder, recorria a meios de uma crueldade quase impensável, como por exemplo a
empalação e o esfolamento de prisioneiros – um recurso muito usado durante o
governo de Lênin.
O capitalismo não é uma ideologia – é uma realidade
continuamente aperfeiçoada pela ciência. Ideologia é o socialismo – o vestido
de idéias que encobre as ambições sociopáticas de semi-intelectuais ávidos de
poder.
E uma prova a mais de que isso é assim poderá ser dada por
eventuais reações socialistas a este artigo, as quais, como todas as
contestações a meus artigos anteriores, não conseguirão e aliás nem tentarão
impugnar a veracidade de nenhuma de suas afirmações, mas se limitarão a
expressar descontentamento e revolta contra sua publicação.
(*) Publicado no livro “O
mínimo que se precisa saber para não ser um idiota”, da Editora Record (originalmente)
em 2001. E continuamos este festival Olavo Carvalho, esperando ser útil, ao tentar
livrar o país de ideias errôneas. (LP)
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