Por Luiz Fernando Verissimo (*)
Quem passou pelo que eu passei — quase me fui — pode
escolher o que fazer com a experiência. Ou terá assunto para o resto da vida,
pois tudo o mais perderá importância comparado ao maravilhoso fato de continuar
vivo. Ou evitará o assunto, para não ficar conhecido como um sobrevivente
chato, daqueles que sabem — e repetem — tudo sobre sua doença, com detalhes, e
até com um certo ar superior.
— Alguém aqui sabe o que é “rabdomiólise”?
E a conversa não pode ser sobre outro tópico:
— A coisa na Siria está feia.
— Isso porque vocês não viram minha urina no primeiro dia.
— Li que o Internacional vai começar a temporada com o time
B.
— Por sinal, eu contei que o vírus que me pegou poderia ser
tipo A ou tipo B? O meu era tipo A. O mais perigoso.
Prometo não ser um sobrevivente chato. Não vou contar o que
me fizeram no CTI do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, mesmo porque
sei pouco sobre o que me fizeram. Só sei que salvaram a minha vida.
Também não vou aproveitar nenhum dos delírios que tive
enquanto sedado para transformar em crônica. Não sei por que, mas acho que
aproveitar delírios de hospital em crônicas é uma forma de apropriação
indébita.
E desculpe: não tive nenhuma visão do outro lado, nenhum
vislumbre do infinito. Mas tenho que reconhecer que saí da experiência com meu
ceticismo abalado.
Eram tantas pessoas — me contaram depois — rezando por mim e
manifestando sua apreensão e solidariedade, principalmente desconhecidos, que
deve ter feito uma diferença. Vou precisar rever minhas relações com a
metafisica.
Alguns dos que salvaram a minha vida não são anônimos e
precisam ser citados, antes de mudarmos de assunto. Doutores Alberto Augusto
Rosa, Sandro Gonçalves, Eubrando Oliveira, Teresa Sukienik, Juçara Maccari,
Ricardo Zimerman, David Saitovich, Renato Eick, Flavio Kapczinski, Rogério
Friedman, Bernardo Moreira, Ana Stein, Marcos Wainstein, além do eficiente e
dedicado corpo de enfermeiras, enfermeiros e fisioterapeutas do hospital.
Obrigado, obrigado, obrigado. E não se fala mais nisto.
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(*) Publicado no Blog do Noblat em 06.01.2013. Eu já
publiquei, semana passado um texto do doente recuperado Luis Fernando
Veríssimo. Se há uma solidariedade perfeita é entre doentes que se curam. E lá
estou eu publicando outro texto do recuperado, como eu. Eu, já o contrário do
dele, não gosto de tocar no assunto de minha doença, ou ex-doença como espero,
nem tenho problemas de mudar minha relação metafísica porque sempre Deus está
presente em minha vida, apesar de alguns dos seus representantes na terra, nem
citaria os médicos que de mim cuidaram, apesar dos meus eternos agradecimentos.
Eu também estive sedada algumas vezes e também não vi luz
nenhuma, mas, nem sempre o que a gente não vê, é inexistente. Estes são os
mistérios da fé e da crença. E para não escrever um Ensaio sobre a Doença, fico
por aqui, desejando a cura de todos os enfermos, como Jesus tentou fazer um dia.
E isto eu desejei até para o Lula, embora não seja que ele seja mais nada neste
país, a não ser um curado. (LP).
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