por Luis Fernando Veríssimo (*)
O prédio de lata estava desmoronando e eu estava dentro
dele, desmoronando também. Caía de bruços como um super-herói que esqueceu como
voar, com a cara virada para o chão, ou para o saguão do prédio, que se
aproximava rapidamente.
Se eu me espatifasse no saguão, certamente morreria, pois
seria soterrado pela lataria em decomposição que acompanhava meu voo. O fim do
sonho seria o meu fim também.
Mas a queda era interrompida, a intervalos, como naquelas
“lojas de departamento” em que o elevador parava, o ascensorista abria a porta
e anunciava: “Lingerie”, “adereços femininos”, etc.
Levei algum tempo para me dar conta que aquelas paradas não
eram só para interromper o terror da queda. Eram oportunidades de fuga.
O sonho me oferecia alternativas para a morte, se eu fizesse
a escolha certa.
Ou então me dava um minuto para pensar em todas as escolhas
erradas que tinham me levado àquele momento e à morte certa: os exageros, os
caminhos não tomados e as bebidas tomadas, as decisões equivocadas e as
indecisões fatais, o excesso de açúcar e de sal, a falta de juízo e de
moderação.
Não posso afirmar com certeza, mas acho que ouvi o
ascensorista fantasma dizer, em vez de “lingerie” e “adereços femininos”:
“Desce aqui e salva a tua alma” ou “Pense no que poderia ter sido, pense no que
poderia ter sido...”
As paradas não eram para diminuir o terror, as paradas eram
parte do terror! Eu não tinha tempo nem para a fuga nem para a contrição. E o
saguão se aproximava.
Decidi me resignar. É uma das maneiras que a morte nos pega,
pensei: pela resignação, pela desistência.
Meu corpo não me pertencia mais, era parte de uma
representação da minha morte, o protagonista de um sonho, absurdo como todos os
sonhos.
Talvez a morte fosse sempre precedida de um sonho como
aquele, uma súmula de entrega e renúncia à vida, mais ou menos dramática
conforme a personalidade do morto.
Um sonho com anjos e nuvens rosas ou um sonho de destruição,
como eu merecia.
Eu nunca saberia por que meu sonho terminal fora aquele, eu
desmoronando junto com um prédio de lata. Mas nossas explicações morrem com a
gente.
No fim do sonho me espatifei no chão do saguão e esperei que
o prédio caísse nas minhas costas. Em vez disso, ouvi a voz do dr. Alberto
Augusto Rosa me perguntando se eu sabia onde estava. “Hospital Moinhos de
Vento”, arrisquei. Acertei.
Lá juntaram as minhas partes, me espanaram e me mandaram
para casa. E eu não disse para ninguém que deveria estar morto.
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(*) Publicado no Blog do Noblat em 03.01.2013. Chega fiquei
chateada quando ao invés de escrever 12 escrevi o 13. Argh! Estou voltando ao
meu aconchego, mas, ainda com algumas partes doloridas da viagem, inclusive a
alma, por passar algum tempo fora da rede mundial de computadores. Para mim é
uma morte. E é com um texto primoroso do Veríssimo que recomeço minha missão de
blogueira. Sei que deveria falar em posses etc. e tal, mas o farei depois.
Preferi transcrever o texto acima por falar d’algo que senti há poucos meses
atrás quando a gente pensa que vai morrer e os hospitais quase confirmam nossos
pensamentos. No meu sonho de morte não estava num prédio de lata, mas, numa
sala junto do Dandan rodeada de baba-ovos, inclusive um que cismava em dizer
que era poeta, mas, não podia porque se engasgava com a próprio baba. Um feliz
ano novo para todos. Depois eu volto. (LP)
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