Por Luiz Fernhando Verissimo (*)
Acho que já contei o meu único crime. Na verdade,
descontando-se alguns sinais amarelos em que não dava mesmo para parar, não há
contravenções ou pecados maiores na minha vida. Ficha limpa.
Claro que muito pequei em pensamento, mas a imaginação é uma
área neutra em que tudo é permitido e nada é punido. Crime, crime mesmo só
tenho um. Roubei uma pulseira. Atenuante: foi por amor.
Eu tinha uns sete anos e nós tínhamos acabado de alugar uma
casa em Los Angeles. Meu pai lecionaria durante um ano na Universidade da
Califórnia. Nos botaram, eu e minha irmã, numa escola próxima da casa. E foi lá
que eu a conheci. Morena, cabelos longos. Não vou nem tentar me lembrar do
nome. Digamos que fosse Sandra. E me apaixonei pela Sandra.
Ninguém se apaixona aos sete anos, dirá você. Engano seu. As
grandes paixões são aos sete anos. Todas as outras, pelo resto da vida, serão
simulacros, pois nenhuma será tão intensa e desesperada. Eu amava Sandra e, na
minha imaginação, era correspondido. Nos meu sonhos ela me olhava, e trocávamos
sorrisos, e eu até beijava seus cabelos na fila. Foi a sua total indiferença
aos meus olhares e suspiros que me levou ao crime.
Descobri, na casa em que morávamos, mal escondida numa
prateleira, uma caixa contendo uma pulseira dourada. A pulseira não devia ter
qualquer valor para estar assim tão à mão de um neocriminoso, mas era linda.
Peguei a pulseira e, naquela noite, ensaiei o que diria a
Sandra, quando lhe entregasse o presente no dia seguinte. “My name is Luis and
I love you.” Ou talvez algo mais, mais cativante: “Tome esta pulseira, que é
bela como você” ou “Lembre-se de mim, Sandra!”
Eu sabia exatamente onde cruzaria com Sandra no caminho da
escola. E lá estava ela caminhando na minha frente, com os cabelos longos
soltos e balançando. Aproximei-me, tremendo. Não podia errar a minha fala.
Dizer “My love is name and I Luis you” ou coisa parecida.
Emparelhei com ela, entreguei a pulseira — e saí correndo!
Sem dizer nada e sem olhar para trás.
O incrível é que a pulseira que significara tanto para mim —
meu primeiro amor, meu primeiro roubo — não significou nada para ela. Sandra
continuou me ignorando, nunca nos falamos, ninguém deu falta da pulseira, e eu
de vez em quando a imagino hoje — meu Deus, com a minha idade! — contando para
um bisneto a história do presente do garoto estranho. Mas ela não deve se
lembrar de nada. Aposto que votou no Romney.
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(*) Publicado no Blog do Noblat em 10.01.2013. O Veríssimo
voltou muito melhor de sua doença do que eu voltei da minha. Li o texto acima
como quem come um pudim e que, por ser uma porção pequena, fica com o gosto de
quero mais.
Minha primeira ação psíquica foi pesquisar em minha mente se
eu, aos 7 anos, já tinha olhado para algum menino com olhar diferente. Eu só me
lembro do Obadias e este era muito feio, então, não rolou nada. Em questão de
namoro eu fui muito retardada mas em questão de amores platônicos, os tive aos
montões. Toda missa era um, e naquela época infantil eu nem tinha noção de que isto
era pecado.
Igual ao Veríssimo, mas do lado oposto, onde esperava sempre
a ação dos meninos, pois o machismo ainda hoje me perturba, nunca me ofereceram
um relógio, nem flores e nem mesmo caldo de cana na feira. No entanto, eu
sonhava com alguns meninos fazendo isto para mim. E não só era na missa, era em
todos os lugares. Eram cenas, hoje, nem próprias para Malhação, porque não
teria público. Nada de beijo, nada de agarramento, nada de xumbrego, como minha
mãe dizia. Pensar em sexo naquela época era conspurcar nossos sonhos.
Nem vou me prolongar pois já comecei a sonhar. Eu só não
entendi porque a Sandra votou no Romney. Os meninos que eu sonhava hoje talvez
votaram no Lula. (LP).
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