Quando Jesus e São Pedro
pelo mundo viajaram
em casa de um ferreiro
uma tarde eles chegaram
e pra descansarem um pouco
nessa casa se arrancharam.
O ferreiro muito alegre
deu uma boa hospedagem
para Jesus e São Pedro
descansarem da viagem
e tratou muito bem deles
com toda camaradagem
E Jesus aproveitou
enquanto estava hospedado
e falou com o ferreiro
lhe mostrando muito agrado
para ferrar o burrinho
que ele andava montado
O ferreiro interessado
fez o serviço ligeiro
porém Jesus disse a ele:
— Aqui não tenho dinheiro
mas te sirvo em três pedidos
pode dizer o primeiro
O ferreiro olhou para Cristo
e começou a sorrir
depois disse: muito bem
tenho três coisas a pedir
porque sei que o senhor
pode isto me garantir
— Vamos lá disse Jesus
diga que farei urgente
mas antes dele falar
São Pedro tomou a frente
e disse: Amigo ferreiro
me ouça primeiramente
É verdade que não sei
qual sua finalidade
porém lhe dou um conselho
com toda sinceridade
peça-lhe o reino do céu
pra sua felicidade
O ferreiro disse: Eu não
que céu não enche barriga
e olhando pra Jesus
lhe disse: Mestre me diga?
se pode dar-me uma coisa
que me serve e não periga
Jesus disse: é qualquer coisa
que quiser pode falar
disse o ferreiro: Pois bem
quero que quem se sentar
no banco da minha tenda
só saia quando eu mandar
— Prometo, disse Jesus
a outra coisa qual é?
— Pede-lhe o reino do céu
São Pedro gritou com fé
disse o ferreiro: Ora esta?
não me interrompa seu Zé
— Este céu que você fala
não está em meu caderno
e também não há certeza
desse monumento eterno
eu morto posso seguir
para o céu ou pro inferno
A outra coisa que quero
é muita mais verdadeira
eu quero é que quem subir-se
naquele pé de figueira
não desça sem minha odem
fique lá a vida inteira
— Concedo, disse Jesus
falta a última vamos ver
— Pede-lhe o reino do céu
São Pedro tornou dizer
— Enxerido! — disse o ferreiro
deixe de se intrometer
Já lhe disse: duas vezes
que não quero seu tesouro
eu quero é ver quem entrar
naquele saco de couro
fique dentro até morrer
pra pagar o desaforo
Jesus concedeu também
e montou-se no burrinho
acompanhado de Pedro
seguiu pelo seu caminho
e o ferreiro ficou
pensando em casa sozinho
Ele pensando dizia:
— Fui muito tolo e sem calma
porque não pedi a ele
riqueza para ter palma
venha agora o satanás
que lhe vendo a minha alma
— Pra que diabo me serve
banco nem pé de figueira
e saco sem ter dinheiro
de que serve esta porqueira
quero é ser rico e gozar
seja de qualquer maneira
— Portanto se há inferno
apareça o satanás
e se for como alguém diz
que ele tem força capaz
traga dinheiro que a gente
qualquer um negócio faz
Quando o ferreiro findou
de dizer esta heresia
satanás apresentou-se
lhe fazendo cortesia
e disse: pronto ferreiro
compro por qualquer quantia
Dinheiro tenho de sobra
dou-te uma soma sem fim
exija quanto quiser
que servirei sem pantim
pois a alma dum ferreiro
vale tudo para mim
Até traçarem o negócio
disse o satanás: vou dar-te
uma riqueza assombrosa
pra gozares em toda parte
mas quando interar dez anos
— Eu venho para levar-te
— Você faça o que poder
em dez anos de riqueza
coma, beba e vista bem
desfrute toda grandeza
que com dez anos completo
você vai não ter defesa
— Muito bem, disse o ferreiro
a ordem será cumprida
com dez anos de riqueza
posso gozar minha vida
a alma não vale nada
já vendi está vendida
Satanás abriu um livro
com três palmos de altura
e disse: para o ferreiro
— A minha parada é dura
se assine aqui que precise
levar sua assinatura
O ferreiro assinou-se
no livro preto infernal
o satanás deu o visto
comprovando o edital
e deu-lhe logo mil contos
tudo em moeda legal
No outro dia amanheceu
num palácio monstruoso
forrado de ouro e prata
com um jardim majestoso
pra todo lado ele via
um lustro maravilhoso
Com um quilômetro ao redor
o palácio era cercado
pelo um rio caudoloso
banhando por todo lado
pra todo canto ele via
o sol nascendo dourado
Tudo quanto precisasse
lhe chegava sem demora
no seu palácio forrado
de ouro por dentro e fora
era dizer: — Quero isto
chegava na mesma hora
Assim passou o ferreiro
dez anos de regalia
feito um fidalgo opulento
tendo tudo que queria
até que venceu-se o prazo
satanás chegou no dia
— Pronto amigo, disse ele
nosso prazo está vencido
disse o ferreiro: Está certo
o prometido é devido
mas já tinha feito um plano
para deixá-lo iludido
Com muito agrado mandou
o satanás ir entrando
e começou a tapiar
muitas histórias contando
e o satanás satisfeito
pelo o terreiro esperando
E no banquinho da tenda
mandou ele se sentar
foi tratar de seus negócios
e toca o diabo esperar
quando foi sair do banco
não pode se levantar
Passou três dias sentado
rogando praga e gemendo
esconjurando da sorte
chorando e se maldizendo
depois chegou o ferreiro
e assim lhe foi dizendo:
— Amigo velho você
já me esperou a vontade
e quanto o nosso negócio
tenho uma novidade
se você não aceitar
perdemos nossa amizade
Pois eu só te solto agora
se prometeres me dar
outro prazo de dez anos
pra eu viver e gozar
se não o mundo se acaba
sem mais nunca te soltar
Satanás aí conheceu
que tinha sido traído
mas queria se ver solto
aceitou logo o pedido
foi esperar mais dez anos
pro caso ser resolvido
E o ferreiro ficou
gozando cada vez mais
dentro da riqueza e luxo
como sempre o rico faz
que até se esqueceu
do trato com satanás
Porém no segundo trato
satanás chegou vexado
o ferreiro disse a ele
sei que é hoje estou lembrado
mais inda quero que dê-me
mais um dia de agrado
Hoje é meu aniversário
é a festa derradeira
que eu faço nesta vida
vou brincar a noite inteira
me espera até amanhã
trepado nesta figueira
Satanás se trepou
e lá ficou esperando
o ferreiro cá embaixo
com os amigos ferrando
passaram-se oito dias
festa e brinquedo rolando
Com bebida música e dança
o samba rolava grosso
dia e noite sem parar
só se ouvia o alvoroço
e o ferreiro gritando:
— Vou gozar enquanto moço
E o infeliz satanás
por entre as folhas metido
sem poder descer da árvore
no mais horrendo alarido
babava e rangia os dentes
como quem estava mordido
Se lastimava dizendo
— Ah, ferreiro desgraçado
o que estás me fazendo
eu tenho tudo guardado
quando chegar no inferno
eu me vingo condenado
Aí chegou o ferreiro
sorrindo lhe disse assim
— Vou fazer outro pedido
se você negar a mim
neste pau fica prá sempre
transformando num cupim
Satanás disse: O que é
que me pedes tão contente
o ferreiro disse: eu quero
outros dez anos somente
que vinte anos não deu
pra gozar perfeitamente
— Ou dá ou ficas aí
sem te arredar um momento
quando esta árvore morrer
ficarás sobre o relento
transformado em cupim
exposto a chuva e o vento
Ele apulso combinou
outros dez anos esperar
sendo solto foi embora
e o ferreiro foi gozar
mais dez anos de conforto
com orgia e paladar
Até que venceu-se o prazo
do último trato que fez
satanás disse: é hoje
que trago aquele freguês
eu quero ver se ele ainda
me engana mais outra vez
Mesmo na hora da ceia
ele bateu no portão
e disse: amigo ferreiro
você hoje vai ou não?
não me venha com lorota
nem tem mais arrumação
Por duas vezes você
me enganou mesmo direito
com suas conversas moles
me enrolou peito a peito
mas hoje venho disposto
levá-lo de qualquer jeito
O ferreiro resondeu-lhe
com a voz muito arrastada
— É verdade meu amigo
já lhe dei muita massada
eu vou só trocar a roupa
para seguir a jornada
— Os dois tratos que quebrei
isto nada quer dizer
bem sabe que todo moço
com a vida tem prazer
mas já estou com sessenta
posso desaparecer
— E por favor eu lhe peço
não tome por desaforo
enquanto eu troco de roupa
vá buscar todo meu ouro
que está numa mochila
naquele saco de couro
O satanás sem pensar
no saco de couro entrou
para tirar o dinheiro
e a mochila encontrou
porém não pode sair
que o saco se fechou
Ficou preso satanás
ao grande saco de couro
bramindo e esconjurando
com o maior desadouro
embolava pelo chão
bufando que só um touro
E dizia ele eu já sei
que preso aqui vou ficar
a ferreiro desgraçado!
pois tornou me enrolar
foi a alma mais difícil
que já vi pra se ganhar
— Toda vez que venho aqui
este infeliz me enrola
com o banco e pé de figueira
deu-me chute e jogou bola
e agora pra completar
me trancou nesta sacola
— Mas se um dia eu pegar
aquele cabra ladrão
nas profundezas do inferno
mesmo no meio do porão
verá com quantos garranchos
se faz um ninho de cancão
Dentro do saco de couro
ficou preso o satanás
e o ferreiro estudando
um plano muito sagaz
por ser a última vez
não podia enganar mais
Preparou depressa a saia
e ajeitou bem o fole
pegou o satanás e disse
— Você aqui não se bole
eu vou botá-lo no fogo
para fazer um controle
Agarrou-se pelo o meio
com saco dinheiro e tudo
tocou no fole e na saia
e o malho batendo em cheio
gritou: Me solta ferreiro
que nunca mais te aperreio
Quanto mais o satanás
ao ferreiro pedia
mais o ferreiro queimava
e o martelo batia
voava casca de fogo
e o moleque fedia
Depois o ferreiro disse:
— Te solto se garantir
nem com vida nem com morte
nunca mais me perseguir
satanás disse: Prometo
nunca mais quero te ouvir
— Pode ficar descansado
com toda sua riqueza
e morrer quando quiser
que eu juro com certeza
riscar seu nome do livro
pra não vê-lo em minha empresa
Disse o ferreiro: Está certo
porém passe um documento
como perdeu a questão
não quer me ver um momento
faça logo e se assine
com todo esclarecimento
O satanás assinou-se
e deu tudo por perdido
ficou o ferreiro lá
de riqueza prevenido
morreu com noventa anos
nunca mais foi perseguido
Mas depois que ele morreu
foi ao céu pediu morada
São Pedro bateu-lhe a porta
não deixou tomar chegada
o ferreiro disse a Pedro:
Você não é camarada
São Pedro aí respondeu:
— Você não quer salvação
vá se arrumar com seu banco
pé de figueira e surrão
e depois com satanás
com que fez arrumão
O ferreiro ouvindo isto
disse a Pedro: Você é
um santo bruto orgulhoso
e portanto eu já dei-te
que onde tem corta jaca
ninguém pode tomar pé
— Fique com sua porqueira
que não quero mais nem vê-lo
e agora mesmo eu vou
ao inferno conhecê-lo
se satanás não quiser-me
vai se dar um desmantelo
Quando chegou foi batendo
no portão de satanás
um diabo veio a porta
e disse: Daí pra trás
que quem fez como você
do inferno é incapaz
Seja incapaz ou não seja
abra a porta pra eu entrar
se não abrir entro apulso
que não venho de alisar
satanás disse: Eu duvido
você na porta cruzar
— Pode desaparecer
da porta de Lúcifer
vá precurar os seus bens
e viver onde quiser
que um enrolão do seu jeito
o satanás não o quer
Eu não estou esquecido
do seu banco desgraçado
pé de figueira e o saco
aonde sofri trancado
portanto desapareça
cabra enrolão descarado
Disse o ferreiro: Ora bola
que tanta história e suspeita
vou ao céu Pedro expulsa
no inferno o diabo enjeita
eu já vi que essa gente
comigo está com despeita
Minha vida foi novela
de uma ponta a outra ponta
depois de morto inda querem
comigo fazer afronta
e já que todos me odeiam
vou viver por minha conta
Assim ficou o ferreiro
sem achar colocação
nem no céu nem no inferno
não encontrou proteção
ficou vagando e se chama
Ferreiro da maldição
Fartura brinde do céu
Salvação é coisa boa
A maldição representa
Logo do que vive à toa
Espalhando entre os maus
Sua maldita coroa
-----------
(*) Autoria de Franscico Sales Arêda
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