segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O Dia da Consciência Negra - Mitos e verdades




Quando eu habitava, o que o fiz com muito prazer, o Blog da CIT, eu escrevi algumas crônicas, sobre um livro que li que me impressionou muito, chamado Guia Politicamente incorreto da História do Brasil, do Leandro Narloch. Prometi, naquela ocasião, um resumo de todas os capítulos mas não cumpri a promessa. Os outros afazeres foram maiores. Dias atrás, ouvi falar outra vez do Narloch, quando li os jornais, e ele aparecia na Fliporto, que deveria agora ser Fliolinda, pois não tem nada mais com Porto de Galinhas, quando dele falavam sobre um novo guia não politicamente correto, agora sobre a América Latina.

Revendo meus textos lá no Blog da CIT, descobri um, que explicitamente prometia continuar os resumos (aqui), dizendo: “Vocês sabiam que Zumbi teve muitos escravos? Aguardem. E repito, se a ansiedade for muita, comprem o livro, vale a pena.” Eu não sei se todos seguiram meu conselho e todos compraram o livro, mas, ontem, Dia da Consciência Negra, com direito ao gasto do meu dinheiro pela ministra de integração racial na TV, e ainda uma politicamente correta chamada no Mural do SBC, por minha amiga Socorro Godoy, eu resolvi desencavar aquele livro e tentar continuar cumprindo minha promessa.

Como ontem já foi posto e talvez visto por todos, em 2003 o dia 20 de novembro foi dedicado aos negros ou à raça negra. A maioria das homenagens aos negros deste país é justa embora nem sempre seja feita de maneira correta. Eu, pela parte negra que me toca e que é bem acentuada, me sinto agradecida e lisonjeada mas, certas vezes, um pouco desiludida com o rumo da prosa sobre o significado dos negros para nossa história.

O que se passa é que na maioria das vezes nos tratam (e eu me coloco, com minha cor morena, como pertencendo a muitas raças, embora hoje para o censo eu seja parda) como se fôssemos incapazes, oferecendo-nos benesses como se não tivéssemos capacidade para conquistá-las, e quando o fazemos dizem logo: “Também, pela política de cota, todo mundo consegue”. A raça negra, ou hoje, as pessoas de cor deste país, aceitaram agora como norma, o mesmo que os pobres nordestinos estão aceitando. Favores e mais favores que são direitos de todos, mas sempre aparece um pai ou uma mãe para ganhar os louros eleitorais pela oferta. Mas, eu já estou partindo para outro assunto que apesar de ser meu também, não é para agora.

O que quero fazer aqui, como justiça à nossa cor, é um pequeno resumo de  um capítulo do livro acima citado, cumprindo uma promessa que já tem mais de um ano. O capítulo onde ele trata dos negros já começa com um título que, em princípio, parece um deboche: “Agradeçam aos Ingleses”, mas ao lê-lo vemos que é a pura verdade, se restabelecermos sem pluridos ideológicos a verdade histórica. Veja este texto do livro:

Na verdade, o movimento abolicionista inglês teve uma origem muito mais ideológica do que econômica. Organizado em 1787 por 22 religiosos ingleses, foi um dos primeiros movimentos populares bem-sucedidos da história moderna, um molde para as lutas sociais do século 19.”

Foi este movimento que pressionou o Parlamento Inglês, ao ponto de conseguir em 1807 extinguir o tráfico de escravos, forçando todo o Atlântico a tomar a mesma posição. A ideia difundida em livros, que eu ainda li no ensino médio bem feito que tenho, de que os ingleses interromperam o tráfico para criar um mercado consumidor na América é uma história para estudante dormir. “Mesmo naquela época, era um pouco difícil para os empresários montar ações que trariam lucro apenas um século depois”. E esta ação dos ingleses foi decisiva como incentivo aos movimentos abolicionistas, e para a própria abolição da escravidão do Brasil.

Mas, deixemos os ingleses de lado e nos voltemos para nossa história, como vista pelo autor, que nos trás a ideia de que não fomos uma raça totalmente passiva, para o bem ou para o mal, como nos é quase imposto pela historiografia oficial ou por aquela historiografia que via em nós, os negros, os grandes precursores das lutas de classe em nosso país, tentando nos dá a primazia de algo até hoje inexistente, pois naquela época todos queriam ser senhores como hoje todos queremos ser capitalista, até mesmo o governador socialista. Leiam o Narloch:

Por volta de 1830, o escravo José Francisco do Santos conquistou a liberdade. Depois de anos de trabalho forçado na Bahia, viu-se livre da escravidão, provavelmente comprando sua própria carta de alforria ou ganhando-a de algum amigo rico. ... José tinha uma profissão – havia trabalhado cortando e costurando tecidos, o que lhe rendeu o apelido de “Zé Alfaiate”. ... Voltou à África e se tornou traficante de escravos. Casou-se com uma das filhas de Francisco Félix de Souza, o maior vendedor de gente da África atlântica, e passou a mandar ouro, negros e azeite de dendê para vários portos da América e Europa.
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Talvez Zé Alfaiate tenha entrado para o tráfico por um desejo de vingança, na tentativa de repetir com outras pessoas o que ele próprio sofreu. O mais provável, porém, é que visse no comércio de gente uma chance comum e aceitável de ganhar dinheiro, como costurar ou exportar azeite.

Na sociedade da época isto não era considerado um pecado mortal, mesmo porque nossa Santa Madre Igreja (perdão meu Jesus!) ainda discutia se negro tinha alma ou não pois já havia chegado a conclusão que índio não batizado não tinha. Vendo com os olhos de hoje não há porque ser contra ao “empreendedorismo” do Zé Alfaiate, quando vemos ainda o trabalho escravo em nossas fazendas ditas capitalistas. O que não podemos é tirar da história um assunto como este. Negro também é gente até para cometer “malfeitos”.

Voltarei agora para o líder e maior herói negro do Brasil, o homem cuja data de morte (20 de novembro de 1695) foi escolhida para se comemorar o Dia da Consciência Negra. Segundo o autor,  ele “mandava capturar escravos de fazendas vizinhas para que eles trabalhassem forçados no Quilombo dos Palmares”. E além disso, sequestrava mulheres, que eram valorizadas porque raras naquela época, e executava aqueles que quisessem fugir do quilombo.

Talvez, alguns se choquem hoje com uma informação como esta. No entanto, isto não quer dizer que o Zumbi, de quem se conhece muito pouco, e que foi muito mais motivo de lendas ou preceitos ideológicos do que de história, fosse um ser maligno. Desde a antiguidade havia escravos e até mesmo na Grécia, considerado como berço de nossa civilização ocidental a instituição era aceita. “O sistema escravocrata só começou a ruir quando o Iluminismo ganhou força na Europa e nos Estados Unidos. Com base na ideia de que todos as pessoas merecem direitos iguais, surgiu a Declaração dos Direitos da Virgínia, de 1776, e os primeiros protestos populares na Inglaterra.” Por que Zumbi ou Zé Alfaiate não teriam escravos? Eles, provavelmente, nem sabiam ler ou escrever.

O autor vai ainda mais além, e isto não me chocou nem um pouco, pois minha agregação de conhecimentos através da arte popular da novela, vendo Chica da Silva, já sabia, diz que o “sonho dos escravos era ter escravos”, e eu acrescento, igualzinho a hoje, onde o sonho dos empregados é serem patrões. O que nos dar vexame, a nós os negros, são os relatos de maus tratos contra nossos próprios irmãos de cor, por nossa própria raça. Da mesma forma que hoje criticamos os maus tratos dos patrões contra os empresários, e, até mesmo, as grossuras de nossa presidenta com os subordinados, igual a uma escrava alforriada do planalto.

Este texto já está ficando grande para os meus padrões atuais de prolixidade. Não vou nem comentar o que o autor afirma, além do já dito, como por exemplo de que os portugueses aprenderam com os africanos a comprar escravos, e que os próprios africanos lutaram “bravamente” contra o fim da escravidão. Isto não empana o brilho do Dia da Consciência Negra, mas, pelo menos, nos traz um pouco de realidade sobre o que se passou com a nossa negritude, sem os apelos fáceis de nos colocar como uma raça espezinhada e boazinha.

Quando hoje vejo este sistema de cota, não me dá nem vontade de entrar numa universidade, pois quando olharem para minha cor pensarão logo que passei pelo sistema. Os que defendem um sistema discriminatório assim têm que saber que os negros também são gente e podem chegar lá sozinhos, lutando pela igualdade de oportunidades, como escolas iguais para todos, e não criando-as artificialmente com base em história mal contada.

Eu não vou prometer mais resumir o livro citada (Editora Leya), mas, quem sabe um dia eu voltarei a fazê-lo. Vocês sabiam que o Machado de Assis, nosso colega de cor, foi um dos grandes defensores da censura em sua época? Comprem o livro ou aguardem outra postagem minha, embora eu ainda aconselho a comprar o livro.

Um comentário:

  1. CADA VEZ QUE LEIO OS SEUS ARTIGOS,IMPRESSIONA-ME A SUA INTELIGÊNCIA E FACILIDADE PARA ESCREVER;DÊSDE JÁ ANTECIPO MEUS AGRADECIMENTOS POR SUA SOLIDARIEDADE CONOSCO,REFERENTE ORAR POR MEU FILHO.OBRIGADO MESMO, JÁ É UM ANO DE SAUDADES,RECORDAÇÕES E NADA MAIS.

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