sexta-feira, 12 de abril de 2013

A Vilma e a PEC das domésticas





Falaram tanto na PEC das domésticas que eu resolvi escrever algo a respeito, pois sou eu, como dona de casa, por quase meio século, que tenho mais experiência para dizer alguma coisa.

O Congresso promulgou a PEC que amplia benefícios para os trabalhadores domésticos. O assunto é polêmico e há uma expectativa de que isto possa ser um tiro no pé das domésticas. Quando se diz isto, nossa Senhora! Logo nos taxam de “políticamente incorreta”. Eu não temo muito os rótulos. Procuro ver logo dentro da embalagem.

Se analisarmos o tema sem paixão e sem ideologias capengas, teremos que ver o que está em jogo com a medida legal. Ela prever uma “inclusão” dos empregados domésticos no mercado formal de trabalho. E talvez da mesma forma que a Lei Áurea previa a “inclusão” dos escravos no mundo habitado por humanos. Penso que ambas as medidas, simplisticamente, aqui comparadas, possam ter os mesmos problemas se não se ativerem ao que permite a sociedade.

A intervenção do Estado, num sentido amplo, na sociedade só é possível se esta sociedade está preparada para as leis anunciadas, porque se não estiver, pode virar letra morta e ser uma daquelas leis que existem e nunca se cumprem para todos. Ou vocês acham que a CLT é cumprida no Brasil, em suas relações de trabalho, ainda hoje?

Mas, vamos aos finalmente porque aqui não é o lugar para repetir tudo que já foi dito e sim dizer um pouco mais, o que, de uma forma ou de outra modificará o mundo. E farei isto, vendo a minha situação de dona de casa, que mora com alguns filhos e netos e um marido já beirando a necessidade de um “cuidador de idosos” (se ele ler isto vai dizer que quem está precisando sou eu, mas, isto não é importante para o argumento). Já tive até duas empregadas domésticas, no passado. E, sinceramente, elas só saíram para se casar e sem muitas queixas de mim.

Podem até dizer que eu estou me comparando a uma boa senhora de escravos e que alimentando bem os meus, eles ficavam satisfeitos. Pode até ser, mas isto é passado, embora esteja certa de que colaborei para o progresso de suas famílias, sendo hoje todas minhas amigas. Ou seja, as boas relações de trabalho prescindem da carteira assinada.

Parece até que estava prevendo o futuro, embora tivesse algumas dúvidas de que um dia fosse haver um lei para regulamentar as relações entre patroa (quase sempre mulheres) e empregadas domésticas (quase sempre também, embora existam bons cuidadores de idosos, homens), e resolvi, e já faz um longo tempo, viver sem empregada. Primeiro tive que lutar contra meus filhos a quem criei de forma errada, reconheço, e hoje todos lavam pratos (embora deixem alguma gordurinha), sem reclamar tanto.

Os meus netos nunca souberam o que seria uma babá e até estranham seus amiguinhos terem, e muitas vezes tem duas (penso que é uma para limpar o xixi e outra para limpar o cocô, e não sei se a lei prevê um adicional para a última cuja atividade é menos agradável). Eu e os pais demos conta muito bem do recado e até colocamos o avô na roda, servindo como bobo da corte nas brincadeiras.

Então o que tenho a ver com a PEC? Quase nada se não tivesse uma faxineira, a Vilma, que vem aqui uma vez por semana. É dela que tiro as novidades. E não dela própria pois (ela diz que foi um azar danado) em todas as casas que ela trabalha, só o faz um dia por semana, o que não é considerado vínculo empregatício. Então, para ela, não vai mudar nada, e mesmo se tivesse que assinar sua carteira, teria muitas dúvidas porque poderia perder o Bolsa Família (que também é ilegal porque ela recebe nas várias casas mais do que o teto para o programa).

Mas vejam o diálogo que ela teve comigo, que é um tanto esclarecedor.

- Dona Lucinha, a senhora viu a nova lei da doméstica?

- Vi Vilma.

- Vai mudar alguma coisa prá mim aqui?

- Não. Você é diarista e só vem aqui um dia por semana. Você não tem vínculo empregatício.

- O que é isto? Eu não sei bem não Vilma. Pelo que me disseram é quando você assina a carteira do empregado.

- E isto é bom?

- Como sempre Vilma a resposta a esta pergunta vem sempre seguida de outra: Bom, prá quem? Minhas empregadas antigas não tinham carteira assinada. Naquela época não se usava isto. Elas nunca me pediram para assinar carteira pois adoravam trabalhar aqui em casa. Algumas ainda são muito amigas dos meus filhos.

- É, a senhora é uma boa patroa.

- Mas, isto não basta Vilma. O que você está dizendo, as escravas dos tempos de meus avós também diziam dos seus senhores e não deixavam de serem escravas. Contudo, pensando bem, tenho certeza que algums escravos, sentiram muita saudade da escravidão depois da Lei Áurea. Principalmente aqueles que não tinham noção do que seja ser livre. Para mim a liberdade é um bem em si. Não adianta muita comida sem ela. Agora com esta lei das domésticas, talvez aconteça o mesmo. Algumas sentirão saudade dos tempos de pré-vínculo.

- Não entendi nada, Dona Lucinha.

- Trocando em miúdos, Vilma. Eu penso que a felicidade das pessoas não está ligada muito a uma carteira assinada. Você pode ter seus direitos assegurados por uma relação contratual informal justa e respeitosa. A interferência do Estado muitas vezes atrapalha. Vou lhe dar um exemplo. Há um monte de gente desempregada e que adoraria estar empregado mesmo que não tivesse carteira assinada, mas,  os empregadores não podem empregá-las sem correrem os riscos de serem pegos por fiscais do trabalho, que algumas vezes servem apenas para comer bola. Prá você ver, tempos atrás alguém quis aprovar uma tal de Lei da Palmada, que dizia que era proibido bater nas crianças, mesmo os pais. Eu duvido que esta lei fosse cumprida e nem deveria. Eu mesma orientaria minha filha a ir para o banheiro quando o Júlio merecesse umas palmadinhas.

- Ave Maria, Dona Lucinha lá onde moro todas as mães iriam presas, inclusive eu. Com a lei das domésticas, já tive três amigas que viraram diaristas, e não foi porque quiseram e sim porque as patroas mandariam elas tomar seus rumos se não fizessem isto. Teve até uma que implorou para ficar como diarista durante a semana, mas a mulher era dessas cumpridoras da lei danadas e não aceitou.

- Olhe Vilma, havia um Coronel lá na minha terra que dizia que a lei era como uma cerca, se ela é muito alta a gente passa por baixo e se ela é muito baixa a gente pula. Uma lei na medida certa, que a gente não pule nem passe por baixo é muito difícil. Eu penso até que nem existe. Aí é que vem a ética, a moral e a formação religiosa que ajuda o Estado e a sociedade a se desenvolverem. Entende?

- Não!

- É realmente difícil. Mas, o pessoal, suas colegas ficaram satisfeitas?

- Só vi uma que a patroa assinou a carteira e estava satisfeita. Ontem foi mandada embora.

- Por que?

- Ela passou a manteiga na banda de um pão e não passou na outra.

- E por que não passou na outra?

- Porque ela disse que já estava fora do seu horário de trabalho. Agora vai ao sindicato.

- É Vilma, vai ser difícil a lei pegar, principalmente aqui no Nordeste, com o desemprego que existe. Ainda hoje tem gente que não cumpre nem a Lei Áurea. Imagine a PEC das domésticas!

Não conversamos mais porque a Vilma é uma faxineira muito competente, foi direto ao seu trabalho. Ela difere de outra faxineira que conheço, que tem quase o mesmo nome, exceto o “V”.

Um comentário:

  1. Lucinha só a você para ler. Não há hoje quem não leia seu blog aqui em Bom Conselho, bem alguns não pode. Continue a nos da texto como este. Parabens.

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