sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O MST caiu no samba?





Por Ateneia Feijó (*)

Caiu! O Movimento dos Sem-Terra tem batucada e sua própria escola de samba. Chama-se Unidos da Lona Preta e desfilou neste fim de semana na Grande São Paulo. Fundada em 2005 por militantes assentados, surgiu como uma espécie de contraponto ao carnaval mercantilizado.

Até aí normal. Já sair às ruas com samba-enredo sem autor... Na Unidos da Lona Preta a escolha do tema, da música, do conteúdo, da métrica, das rimas e de tudo mais que dá origem a um samba-enredo precisa ser debatido politicamente antes e durante o processo da “formação poética”.

Isso porque samba-enredo para o MST só é legítimo se nascer do coletivo.

Um direito do movimento? Vai entender. Melhor sacar de saída: criatividade individual e solo artístico não tem vez entre os assentados. Em entrevista a José Coutinho Júnior (da Página do MST), o sociólogo e músico Tiarajú Pablo D’Andrea avisa que “a Unidos não faz samba-festinha, faz samba-luta”.

Ou seja, não se trata de samba para ser apreciado ou consumido pela burguesia. Até porque “organizar uma batucada por si só é organizar o povo”, como acreditam Tiarajú e os militantes-sambistas.

Em contrapartida, há quem se impressione com a organização do “carnaval mercantilizado”. Henrique Meirelles, por exemplo. Domingo, na Folha de São Paulo, ele destacou a eficiência dos grandes desfiles das escolas de samba no artigo “Sambão com gestão”.

Enumerou as causas que deslumbram turistas que assistem os desfiles: “estrutura inserida na cultura local; ritmo e direção comuns a todos; papéis claramente definidos; margem de manobra no exercício de cada tarefa; alto grau de motivação e planejamento”.

Sambistas e plateia se complementam. No Rio, as escolas recebem dinheiro da venda dos ingressos da Passarela do Samba e dos direitos de transmissão pela TV; subvenções da prefeitura e do estado. Além do patrocínio da Petrobrás.

Não há mais lugar para amadorismo nas relações de trabalho, com fornecedores ou possíveis patrocinadores. Samba na pista, negócios à parte. Em nome do público e da competição apaixonada. E o próximo passo?

Em 1960, Fernando Pamplona revolucionou o carnaval produzindo o desfile do Salgueiro (com pouca grana) com o enredo Quilombo dos Palmares. Trazia a história de Zumbi e uma nova estética visual, espetacular e sem luxo. Em 1989 teve o Cristo mendigo de Joãozinho Trinta, na Beija-Flor.

O que não desmerece o bom uso de riqueza e tecnologia (vide Unidos da Tijuca). E na Unidos da Lona Preta? O samba tem outra batucada.

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(*) Publicado no Blog do Noblat em 12.02.2012. A Ateneia vai ao ponto novamente. A ideia de arte coletiva em contrapartida à arte individual é uma ideia surgida durante as experiências do socialismo real no século passado. Era a criação de um novo homem que teria anulada sua individualidade subordinando-a ao coletivismo socialista. Tudo pela luta por um homem novo que primeiro pensasse na coletividade e depois nele próprio. Deu no que deu. Aqueles poucos que conseguiram pensar assim (o Altamir em Garanhuns pensa que o Che Guevara foi um deles), viram seus sonhos terminarem nas dachas russas e nas mansões cubanas para uns poucos, ornamentadas com arte individual.

Isto não quer dizer que uma obra de arte não possa ser uma obra coletiva. Pode sim. Mas, o pensamento daqueles que dela participam geralmente visa mais o seu eu individual do que o coletivo. E é um sistema que aceita e é baseado nessa força individual que habilitou o MST conseguir lona preta para os seus acampamentos. E o Bloco do Lona Preta (eu chamaria de Favelados de Plástico, mas, eu só penso no indivíduo) produzindo coletivamente deve ter a mesma audiência para suas músicas: eles mesmos.

É este tipo de radicalismo que sepultou o sonho socialista. Talvez cheguemos lá um dia, mas, antes, concordando com o Marx, teremos que passar pelo capitalismo, que entre nós ainda é selvagem, que é a etapa anterior para um capitalismo civilizado. Aí sim poderá vir o socialismo e até o comunismo, naturalmente, com o desenvolvimento das forças produtivas que possa vender lona barata para todos, para não se atravessar o samba. (LP).

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